Chamava-se Luis

Nacional

Um trabalhador morreu. Morreu porque foi trabalhar e teve um acidente de trabalho. Tinha 51 anos. Trabalhava nos SMAS em Vila Franca de Xira há quase 30 anos. Trabalhava numa Autarquia Local e por isso, trabalhava em prol de todos nós. Chamava-se Luis e desde o dia do seu acidente (22 de Julho) lutou com todas as suas forças para resistir. Morreu no dia 9 de Setembro de 2020.

O Luis não vai aparecer nas notícias. Não fará capas de jornal. É apenas mais um trabalhador que morreu num acidente de trabalho. Sim, um acidente de trabalho. Aos explorados, não lhes está destinado espaço mediático. Para os exploradores a conversa é outra. Se fosse um patrão, um banqueiro ou uma outra “personalidade” qualquer, escreveriam linhas, fariam chamadas às primeiras páginas, falariam horas sobre os seus feitos. Mas aqui foi só um trabalhador. Um simples desconhecido.

Mas nós não esquecemos. Não podemos.

No dia 29 de Setembro de 2020 foi apresentado pelos eleitos da CDU na Assembleia Municipal de Vila Franca de Xira, um voto de pesar sobre o falecimento do Luis. Um simples voto, que abordava o acontecimento e a dura realidade dos acidentes de trabalho, as medidas de Saúde e Segurança no Trabalho, de Equipamentos de Protecção Individual adequadas que precisam de ser implementadas e as responsabilidades que as entidades empregadoras têm. Apenas isto. E deliberava no final “Prestar as mais sentidas condolências à família, aos amigos e colegas do Luis.” Era só isto. Era apenas isto que tinham de votar.

E votaram. Foi rejeitado. Votaram contra os eleitos do PS, PSD, CDS e ainda com a abstenção incompreensível do BE. Foram os eleitos destes partidos, representados numa Assembleia Municipal que votaram contra ou abstiveram-se num voto de pesar pela morte, em trabalho, de um trabalhador do seu município. Não era sobre alguém nos confins do mundo. Não. Era sobre um homem que vivia neste concelho e trabalhava para a autarquia de Vila Franca de Xira.

Os trabalhadores da função pública há décadas que lutam pelo Suplemento de Insalubridade, Penosidade e Risco. Foi aprovado em 1998 mas nunca foi instituído. Este ano, o STAL recolheu cerca de 20 mil assinaturas e entregou na Assembleia da República uma proposta de lei para a criação do SIPR, que foi acompanhada por propostas do PCP, do PEV e do BE. O PS apresentou também a sua proposta e aceitou as alterações propostas pelos outros partidos. Na véspera da votação final o PS retirou a sua proposta e votou contra as outras. Todas as propostas foram chumbadas com os votos contra do PS e IL e a abstenção da restante direita.

O que se passou naquela Assembleia Municipal é imperdoável, de uma injustiça atroz. O que se disse naquele local e os argumentos usados, são uma ofensa a todos nós. São um atentado para quem vive do seu trabalho, para quem luta todos os dias por melhores condições para a sua família, para todos aqueles que não desistem de lutar por uma vida melhor.
PS, PSD, CDS votaram contra o voto de pesar porque isso seria reconhecer o risco existente e a falta de condições de protecção e segurança, bem como das responsabilidades políticas que têm nestas matérias. E não digam que se trata de esperar por conclusões ou relatórios. Todos os dias os trabalhadores continuam a enfrentar estas situações de risco nas suas actividades. Votar a favor daquele voto era o mínimo que podiam fazer. A dignidade assim o exigia!

Um trabalhador morreu. Morreu porque foi trabalhar e teve um acidente de trabalho. Tinha 51 anos. Chamava-se Luis Filipe Rato Grilo.

Lembro-me de uns versos tantas vezes cantados entre amigos «Tira o chapéu milionário, vai um enterro a passar. Foi a filha de um operário, foi a filha de um operário, que morreu a trabalhar.»
Os explorados só se têm uns aos outros. A amizade, a fraternidade e a solidariedade são a nossa trincheira de luta! Quem rejeitou este voto não pode ficar de consciência tranquila. Não. Não pode! Nós não vamos deixar que se esqueçam. Nunca calaremos as injustiças! O Luis jamais o faria.

7 Comments

  • Carlos Almeida

    3 Novembro, 2020 às

    Estremecemos de indignação.

  • Júlio da Silva e Sousa

    2 Outubro, 2020 às

    Quem não lamenta a morte dum operário, não merece o respeito dos vivos.

  • Fernando Baptista

    1 Outubro, 2020 às

    Fica publicado, ainda que sem autorização, no meu perfil de facebook.
    Obrigado.

  • Maria Félix

    1 Outubro, 2020 às

    É vergonhoso e indigno. Vila-Franca sempre foi terra de trabalhadores. Afinal quem os representa na sua terra? UNI-VOS…e derrotai-os. Os meus pêsames à familia.

  • Sofia Grilo

    1 Outubro, 2020 às

    São as palavras que tinham que ser ditas. obrigada, meu Álvaro.

  • Margarina Mascarenhas

    1 Outubro, 2020 às

    É incompreensível o que aconteceu com a votação do voto de pesar pela morte em serviço do trabalhador Luís Grilo !
    Vemos, ouvimos e lemos NÃO PODEMOS IGNORAR!

  • Manuel Gouveia

    1 Outubro, 2020 às

    Substitui aquele incompreensível por imperdoável, e tens um texto perfeito irmão.

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