Ecoegoísmo e a refinaria de Leça

Nacional

Dias antes do Natal, os trabalhadores da refinaria da Galp, em Leça da Palmeira, souberam através de uma comunicação da administração da empresa à CMVM, que iriam ficar desempregados. Até hoje, dia 10 janeiro de 2021, ainda não foram contactados pela administração para iniciar qualquer processo negocial. Estamos a falar de cerca de 400 trabalhadores diretos da refinaria e mais 1.000 de trabalhadores subcontratados. Os tais 1.000 que não faziam falta aos quadros de trabalhadores da Galp quando foi privatizada, mas que estão lá, todos os dias, a colocar a refinaria a funcionar. O nível de baixeza, de indecência, de insensibilidade da administração da Galp, ao fazer o anúncio em plena pandemia, tem todos os contornos do pior que o sistema tem para nos oferecer.

A Sacor

Quem nasceu em Leça, pelo menos a norte da freguesia, como eu, não chama Galp à Galp. Ou é Sacor ou Petrogal. As corridas de bicicleta eram dar a volta à Sacor, que é maior do que o resto da freguesia, e dava um ótimo circuito, porque grande parte do percurso era em alcatrão, melhor do que o paralelo onde as cicatrizes deixaram marcas. Nasci ao lado da refinaria, o Bairro dos Pobres, onde a minha avó morava, estava – e está – do outro lado da rua de uma das entradas da refinaria. Não há ninguém com mais de 30 anos que não se recorde de três grandes sustos na refinaria. Mas também não há ninguém daqui que não saiba que os trabalhadores da Petrogal têm formação no sentido de responderem a todos os incidentes e acidentes, para além de equipas internas de emergência. Dito isto, para quem nasceu aqui, viver ao lado da Petrogal não é bom nem mau, é o que sempre foi.

Os recuados ao lado da refinaria

O Bairro dos Pobres foi construído numa altura em que tudo era permitido, durante o fascismo, daí que não houvesse qualquer distância de segurança nas construções. Porém, nos anos 90 e início dos anos 2.000, Narciso Miranda optou por permitir que fossem construídos complexos habitacionais de luxo do outro lado da rua da outra entrada da refinaria. A IMOLOC era a responsável e, curiosamente, nos seus prospetos de venda, a Petrogal aparecia como um jardim verde. Talvez tenha sido uma surpresa para os desatentos que compraram apartamentos em projeto. Atrás desses empreendimentos vieram outros e outros e a linha de mar de Leça da Palmeira está toda ocupada. Toda? Não. Há um enorme terreno que resiste: aquele onde está a refinaria.

As preocupações de Carlos Daniel

No debate entre João Ferreira e Carlos Daniel, a que Marisa Matias esteve a assistir atentamente, o jornalista optou por especular, dizendo que não se especulasse. Carlos Daniel, que se não vive já viveu aqui na zona, sabe que tem esgotos a céu aberto à porta de casa. Há descargas que são feitas na Ribeira da Riguinha diretamente para a Praia de Matosinhos. Há outro esgoto a céu aberto no Cabo do Mundo e mais alguns na linha de praia. Há uma ETAR que cheira a merda. Nesse debate, João Ferreira chamou, e bem, a atenção para a questão dos terrenos. João Ferreira afirmou, e bem, que são terrenos apetecíveis para a especulação imobiliária. Carlos Daniel disse que estavam a especular. Mas não estão.

Transição verde

Carlos Daniel afirmou que era preciso apostar na transição energética, e com razão, mas não há nada sobre transição energética em cima da mesa. O que se sabe, até agora, é que haverá perto de 1.500 trabalhadores em risco de despedimento. Mais nada. Para evitarmos especulações. Carlos Daniel está preocupado com o ambiente, claro, mas a sua preocupação não se estende às populações de Sines e arredores, para onde será transferido o que, se a refinaria fechar, não se fará em Leça. Há uns anos, quando fecharam a refinaria de Lisboa, foi uma alegria para os ecoegoístas da capital. Esqueceram-se de que o combustível necessário ao aeroporto era fornecido pela refinaria, através de um pipeline. Resultou em dezenas de camiões cisterna a entrar em Lisboa todos os dias. Mas, pelo menos, não têm a refinaria. O aeroporto do Porto também é abastecido por um pipeline da refinaria de Leça e, como ainda não há teletransporte ou a caminho-de-ferro até ao aeroporto, algo me diz que o combustível não será transportado por trabalhadores a pé a rolar barris. O mesmo para o Porto de Leixões. O resultado do fecho da refinaria seria o aumento do tráfego de petroleiros e de camiões cisterna para abastecer a base logística.

O PCP apresentou, nas Assembleias de Freguesia e Municipal, uma Moção contra o encerramento da refinaria. No caso da Assembleia de Freguesia, foi aprovada por todos os partidos e todos, PS, PSD e BE, manifestaram reservas em relação à mesma, e isso é fácil de compreender. A qualquer momento pode dar jeito virar o bico ao prego e dizer que é inevitável fechar a refinaria e que estes trabalhadores qualificados terão de encontrar outras soluções. Cá estaremos para ver. Recordo que da Galp e do governo, até ao momento, não têm nada.

Ecoegoísmo

O ecocapitalismo, a par do ecoegoísmo, são expoentes do neoliberalismo. O ecocapitalismo diz-nos que a culpa da exploração selvagem dos recursos do planeta é do cidadão comum, que tem de mudar de hábitos, apesar de ser o sistema capitalista que cria esses hábitos e inventa necessidades. A obsolescência programada, que faz com que aparelhos perfeitamente funcionais deixem de ser úteis, é uma das formas de criar necessidades. O empurrar a culpa para o cidadão comum por parte da ideologia dominante tem a vantagem de permitir que as grandes empresas do sistema mundial possam continuar a explorar lítio e cobalto no hemisfério sul. Isto não faz confusão aos ecoegoístas, por que não é à sua porta. Telemóveis sim, mas só se a matéria-prima das suas componentes não estiver ao alcance da nossa vista. Ninguém quer minas de lítio, mas sem lítio eu não estava a escrever este texto nesta ferramenta de trabalho, que é o computador.

Não é difícil de perceber que as garantias do cumprimento das normas ambientais são mais facilmente cumpridas num país desenvolvido do que num país em desenvolvimento. Mas isso contraria a forma como o comércio internacional está organizado, na sua estrutura de exploração de recursos. Matérias-primas a sul, tecnologia a norte, não vão os povos do sul, algum dia, querer o que todos os dias lhes é roubado há séculos.

Em suma, não há transição energética na refinaria porque ninguém falou disso, a não ser para especular. As únicas certezas são que Portugal terá a sua soberania mais uma vez ameaçada, porque ficará dependente de apenas uma refinaria, que em caso de falha levará ao aumento das importações. Que há centenas de trabalhadores em risco de perderem o emprego. Que o país não aprendeu nada com a pandemia e continua a desindustrializar-se, aumentando a dependência externa. É contra isto que temos de estar todos.

4 Comments

  • M. A. Afonso

    14 Janeiro, 2021 às

    Subscrevo tudo o k foi referido. Os trabalhadores em primeiro lugar. O negócio imobiliário não vê limites!

  • Indignado

    11 Janeiro, 2021 às

    Este resumo é um belo cartoon da intencionalidade dos protagonistas.

  • Rui Camoiana

    11 Janeiro, 2021 às

    Excelente artigo Ricardo, está lá tudo muito bem referido acerca da situação da refinaria.
    Ontem no Coliseu o nosso camarada JOÃO FERREIRA, não se esqueceu de falar do que se passa e apontou soluções.
    Grande abraço RC
    E no dia 24 o nosso voto vai sere no JOÃO FERREIRA que tem feito uma campanha extraordinária.

  • Antonio neto da silva

    10 Janeiro, 2021 às

    Em minha opinião houve um.complot ( governo, administração, CÂMARA), apenas esperaram a oportunidade adequada para pela calada o afirmarem. Meteram os pés pelas mãos, os argumentos foram sempre falaciosos, apresentados de forma subtil, com desrespeito total pelos trabalhadores, pelas suas famílias, sem preocupações pela calamidade social que se segue
    O covid parece ter sido o.alibi perfeito para a ocasião e para o golpe final. Veremos o que os próximos capítulos nos reserva, aos trabalhadores e suas organizações compete dar combate e promover de forma objectiva a divulgação das consequencias , procurando o esclarecimento da população de forma a que não seja tomada pela demagogia que sempre aparece nestas ocasiões. A LUTA CONTINUA.

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