Quando se vive – isto é, quando se forma opinião – sobretudo a partir de artigos do Observador, do Expresso ou do Público – quando não apenas dos títulos – é-se “apanhado” muito facilmente naquilo a que tecnicamente se chama “fazer figura de parvo”. É o que muito tem acontecido a quem, por estes dias, tem levantado especiais brados pelo “caos” na Venezuela e se enche dos sentimentos de “pena” e “piedosa comoção” pelo povo do país. É aquele travozinho burguês, chique, enjoativo, quando não de nojo, que tão bem conhecemos, de gente que “acha mal” que a oligarquia corrupta da Venezuela não possa voltar ao seu glorioso passado de muito “progresso” e “prosperidade”, na sempre eterna “esperança” de um belo dia do horizonte “criar muitos empregos” para aqueles “pobrezinhos descalços”.
A verdade é que até aqui, enquanto a dupla EUA/oligarquia interna andou a minar e a atacar sem tréguas a constitucionalidade, a perturbar a paz social, a alimentar a violência, a sabotar a economia e a conspirar internacionalmente contra o próprio país, ninguém teve qualquer especial “pena” do povo venezuelano. Enquanto o caos andou a ser semeado e instado tanto interna como externamente, com consequências directas no degradar das condições de vida do povo, ninguém apareceu a defender a “democracia” nem desatou a insultar os seus principais mentores. Aliás, o “assunto Venezuela” nunca era tema de debate, sobretudo quando o governo bolivariano erradicava o analfabetismo, ou promovia a saúde pública, a educação e a cultura como nunca antes na História do país.
Mas agora, que certa comunicação social portuguesa, paga bem sabemos nós por quem e para quê, coloca títulos e artigos a preceito sobre um propalado “apocalipse” em curso, fica dado o toque de midas para a “comoção” geral. E “comoção” de quem? Sobretudo daqueles que estão sempre à espreita de um qualquer arranjozinho “jornalístico” que permita dar a sempre tão saborosa – e revanchista, reaccionária – bicadazinha ao PCP. Título a preceito, fotografia do Jerónimo, bandeiras vermelhas, um “caos” como hipérbole, a ligação desejada e pronto, está o ramalhete composto. Enfim, como se diz na minha terra, quem não os conhecer que os compre.