
Missão
Revisão de 1944
Estrutura
Este é um facto que, em teoria, tem um papel relevante, mas pode não contribuir para a eficácia ou a justeza das medidas adotadas pela OIT. Colocar no mesmo plano o poder económico, a força de trabalho e o Estado não resulta, necessariamente, em ganhos para todos, pelo simples facto de que os Estados são, não raras vezes, reféns do poder económico e o poder económico apropriou-se dos Estados, conforme verificamos no caso português na muito valorizada, no plano da OIT, concertação social ou tripartismo interno (governo, patrões e sindicatos). Daí resulta que, num cenário de igualdade horizontal formal, acaba por prevalecer, na generalidade das vezes, a vontade daqueles que detêm os meios de produção, seja o Estado ou a entidade patronal. E, quando tal não sucede, faltam à OIT meios coercitivos que obriguem os países a cumprir o que ratificam.
As crises globais e as insuficiências da OIT
Troika em Portugal e ausência da OIT
Fica assim no ar a dúvida de como seriam feitos o ajustamento e as reformas se a OIT tivesse desempenhado algum tipo de papel na elaboração do memorando. No fundo, se tivesse havido um equilíbrio entre pelo menos as duas OI que integram o panorama da ONU: FMI e OIT. No relatório de novembro de 2018, designado “Trabalho Digno em Portugal 2008-18: Da crise à recuperação”, a OIT é profundamente crítica dos caminhos adotados, como verificamos através da seguinte conclusão, entre várias que poderiam ser mencionadas: “No tradicional programa de ajustamento apresentado pela CE, FMI e BCE, a desregulação, a contenção salarial e as reformas para flexibilizar mais o mercado de trabalho são apresentadas como ingredientes indispensáveis por forma a promover a desvalorização interna, acelerar o ajustamento e impulsionar a produtividade e o crescimento futuro. No entanto, os cortes salariais e a imposição de mercados de trabalho extremamente flexíveis não resultaram em Portugal nem resultariam provavelmente noutros países da Zona Euro. Na realidade, até podem prender os países numa concorrência com base nos preços e conduzir a uma maior dualização a nível nacional e transnacional. São extremamente necessárias melhores provas e análises sobre o impacto e as modalidades dessas reformas”. Como exemplo, verificamos a desregulação dos horários laborais que surge através do conceito de flexibilidade, que mais não é, muitas vezes, do que o retrocesso para o trabalho à jorna, do direito ao trabalho mediante as necessidades dos patrões e não como um direito universal. Neste campo, estamos perante uma violação da alínea a) do artigo 1º da Convenção 47 da OIT, sobre a implementação das 40 horas semanais de trabalho, de 1935, que entrou em vigor a 23 de junho de 1957. Portugal nunca ratificou esta Convenção. A título de curiosidade, verificamos que, dos 15 países que o fizeram, nove pertencem ao antigo Bloco de Leste, ou seja, ratificaram a convenção enquanto membros da URSS e mantêm-na em vigor até hoje. Imaginemos, agora, que Portugal se recusava a cumprir um dos requisitos do FMI ou da OMC. Assistiríamos a um garrote financeiro, à especulação das agências de rating e a pesadas sanções económicas. Porém, os próprios dados do Ministério das Finanças indicam que a desregulação laboral – a livre concorrência entre mão-de-obra – imposta durante o Memorando de Entendimento e não revertida, não só não aumenta a produtividade como diminui a repartição dos resultados entre patrões e trabalhadores, fruto da precariedade: “A flexibilização das leis laborais deu incentivos às empresas para contratarem menos vezes sem termo, mais do que duplicando entre 2008 e 2017 a percentagem de contratos a prazo com a duração de três meses, mas ao contrário do previsto por quem defende essa flexibilização os resultados da investigação revelam que o efeito na produtividade foi nulo (e os salários também não aumentaram)”.
Definição Global de Boas Práticas Laborais vs Neoliberalismo
Em janeiro deste ano (2019), surgiu uma polémica em relação a um gráfico publicado por Bill Gates aquando da cimeira de Davos, no início do corrente ano, para mais uma reunião do Fórum Económico Mundial, em que se verificava uma tendência de descida acentuada do número de pessoas que vivem abaixo do limiar de pobreza, como forma de caucionar as políticas neoliberais assumidas naquele tipo de fóruns. Através da sua Fundação e da sua subsidiária Our World in Data, o empresário rejubilava com o gráfico. No entanto, segundo os críticos, a imagem tem muito de propaganda e pouco de ciência, por diversos fatores, começando pela recolha de dados que, feita de forma científica, só existe desde 1981, pelo que qualquer comparação com o século XIX é especulativa. Depois, porque o gráfico assume como válido o valor de $1,90 USD – este valor mantém-se desde 2011 – como mínimo diário de sobrevivência. A OIT assume como padrão os $2USD. Ora, este valor é absurdamente baixo para os padrões de vida atuais, pelo que, segundo vários economistas, este valor deveria estar nos $7,40 USD para garantir as necessidades de básicas de nutrição e de esperança média de vida, bem como garantir que os filhos destes trabalhadores sobrevivem ao quinto ano de vida. E isto só será possível alcançar através de rendimentos do trabalho.

Declínio no número de convenções e recomendações
Desafios para a OIT
No relatório “World Employment Social Outlook – Trends 2019”, uma análise do quadro atual e perspetivas de futuro, a OIT revela que dois mil milhões de trabalhadores eram informais, em 2016, o que constitui 61% da força laboral do mundo; mais de ¼ dos trabalhadores – empregados – do mundo vivem em pobreza extrema ou moderada. Do emprego criado após a crise de 2008, a maioria é mal remunerado, com contratos de trabalho temporário ou a prazo. No que respeita à contratação, Portugal foi, mais uma vez, um péssimo exemplo aquando da aplicação do Memorando de Entendimento; os acordos coletivos de trabalho e a contratação coletiva foram um dos grandes alvos: reduzir o poder dos trabalhadores na hora de negociar os contratos – com contratos individuais de trabalho, os trabalhadores estão numa posição ainda mais frágil em relação ao detentor dos meios de produção.
Voltando ao plano mundial, nos jovens com menos de 25 anos, 1/5 não estuda, trabalha ou frequenta qualquer tipo de formação. No acesso ao emprego, 75% dos homens em idade laboral estão empregados, enquanto, no que respeita às mulheres, apenas se verifica uma taxa de 48%.
Estes são os desafios que a OIT tem de enfrentar, estruturalmente, mas terá de ver os seus poderes reforçados no quadro da garantia do direito ao trabalho e à justa retribuição da riqueza entre todos os atores das relações laborais. Não basta criar programas de assistência e formação que, sendo parte importante, não resolvem o essencial da questão. O assistencialismo é, aliás, uma das formas encontradas pelo neoliberalismo para dar uma face humana à exploração. Uma empresa que pague mal ao trabalhador verá a sua imagem associada a uma imagem positiva se participar, por exemplo, numa recolha para um banco de alimentos. No entanto, esse banco de alimentos serve, não raras vezes, para apoiar os próprios trabalhadores dessa empresa, fruto dos baixos salários e da precariedade.
É, por isso, necessária uma mudança de paradigma que não coloque em pé de igualdade patrões e trabalhadores, porque a relação de forças não é igual. O trabalho meritório da OIT corre o risco de ser engolido pela ideologia neoliberal, que controla não só empresas, mas também Estados. Daí que seja necessário rever o funcionamento da OIT e a respetiva representatividade de cada delegação. Por exemplo, entre 2012 e 2015 o grupo dos patrões bloqueou o sistema de controlo de aplicação, por considerar que o direito à greve não faz parte do direito ao sindicalismo. É já neste ponto em que estamos. Cabe aos atores internacionais e nacionais romperem com o caminho que tem vindo a ser trilhado. Se houver vontade política, far-se-á uma adaptação pacífica às novas formas de trabalho e à relação de poder entre capital e trabalho. Se não houver, sucederá de forma mais incisiva, porque, como é afirmado na Constituição da OIT, “sem justiça social, não haverá paz”.
https://www.ilo.org/global/about-the-ilo/mission-and-objectives/lang–en/index.htm
https://www.ilo.org/global/topics/workers-and-employers-organizations-tripartism-and-social-dialogue/lang–en/index.htm
Julia E.
Samwer, The effect of ILO conventions on Labor standards, The structural
change;
The author is a DFG-grantholder and a PhD student at the Department of
Economics, University of Hamburg.
http://wp.peio.me/wp-content/uploads/2018/01/PEIO11_paper_65.pdf
Health and
Human Rights Journal; Challenging neoliberalism: ILO, Human Rights and Public
Health Frameworks on Decent Work; Gillian MacNaughton and Diane Frey
https://www.hhrjournal.org/2018/10/challenging-neoliberalism-ilo-human-rights-and-public-health-frameworks-on-decent-work/
Tripartism in
the times of neoliberalism
https://www.ilo.org/global/about-the-ilo/newsroom/features/WCM_041768/lang–en/index.htm
Constituição da OIT (em inglês) https://www.ilo.org/dyn/normlex/en/f?p=1000:62:0::NO:62:P62_LIST_ENTRIE_ID:2453907:NO
World
Employment Social Outlook – Trends 2019
https://www.ilo.org/wcmsp5/groups/public/—dgreports/—dcomm/—publ/documents/publication/wcms_670542.pdf
The Guardian
– Bill Gates says poverty is decreasing. He couldn’t be more wrong, Jason
Hickel
https://www.theguardian.com/commentisfree/2019/jan/29/bill-gates-davos-global-poverty-infographic-neoliberal
OIT – “Trabalho Digno em Portugal
2008-18: Da crise à recuperação”
Novembro 2018
https://www.ilo.org/wcmsp5/groups/public/—dgreports/—dcomm/—publ/documents/publication/wcms_647524.pdf
FMI – Memorando de Políticas Económicas e
financeiras
https://www.imf.org/external/np/loi/2011/prt/por/051711p.pdf
Público – As falhas dos programas da
troika assumidas pelo próprio FMI
https://www.publico.pt/2015/12/20/economia/noticia/as-falhas-dos-programas-da-troika-assumidas-pelo-proprio-fmi-1717953#gs.fvqyP4CX
Dinheiro Vivo – Ministério confirma: cortes em
suplementos de inspetores do trabalho são ilegais
https://www.dinheirovivo.pt/economia/ministerio-confirma-cortes-aos-inspetores-do-trabalho-sao-ilegais/
TSF – Empresas
não partilham ganhos de produtividade com os trabalhadores
https://www.tsf.pt/economia/interior/empresas-nao-partilham-ganhos-de-produtividade-com-os-trabalhadores-10679273.html?fbclid=IwAR3L4ZzkN7X4MdCfnM-DpOv-f-ARMcVYThqcGMi6563xU_8NFK3Pby5yjjw