A saudade como fado inevitável destes tempos

Nacional

O amor fraternal é algo que nos corre nas veias, em cada pensamento, em cada gesto, sorriso. A cada passo que dás é dela que te lembras, como estará, o que terá aprendido hoje, quantas gargalhadas terá dado à conta das brincadeiras da prima. Quantas telas pintou, quantos desenhos te dedicou. O coração aperta e dói demasiado porque não podes estar presente se está doente, se tem febre, se já escreve até 10.

Não compreendes por que raio trabalhas tanto e apenas tens direito a dez dias completos com a tua irmã. Por que tens que estar sempre a tantos quilómetros, sempre, e, com alguma sorte, à distância de um telefonema.

Estudaste anos e anos e anos. Trabalhas há anos. E só vês a vida a andar para trás. Já não podes viver sozinha. Já não podes ir tantas vezes a casa ver os teus. O coração aperta, dói. O corpo dói. Os amigos, por quem sentes um outro amor, não têm o cheiro, o riso, o toque da tua irmã.

Não, este amor enorme, ígneo, que te consome e que nunca soubeste que tinhas dentro de ti faz-te mover e mata-te aos poucos.

Porque de cada vez que vestes o casaco ela pergunta «vais embora?». Porque de cada vez que ela pergunta se o pai volta tu respondes que não. Porque de cada vez que ela pergunta por que tens que ir para Lisboa para trabalhar, não tens resposta possível.

Porque é este o país que tem um governo que te condena a ser consumido pelo amor que sentes e pela falta que quem amas te faz. Que te condena a sentir a saudade como um fado inevitável e a aprenderes a estar só. Que te diz que apenas só é o que podes estar. Que tens que abdicar de tudo se queres sobreviver.
Mas quando os olhos dela brilham, sabes que tudo é possível de mudar. E que, quem sabe, daqui a trinta anos, ninguém será obrigado a sair de si para ser.