Todos os artigos: Nacional

E no entanto ela estupidifica-se

Fica desde já a nota e em jeito de aviso prévio: se alguém, por acaso, estiver aqui à espera de um artigo que tente normalizar, inocentar ou desculpabilizar, directa ou indirectamente, o 1 milhão de votantes – e nem que fossem 50 milhões… – num partido de extrema-direita em pleno século XXI, pode, desde já, tirar o cavalinho da chuva. Se alguém estiver à espera da narrativa ou teoria de que «isto é só gente indignada» ou «revoltada», pura na sua sacrossanta ingenuidade, que saiu de casa, naquele dia, para ir «inocentemente» colocar um voto num partido de gente que acha que o lugar dos pretos é em África, que o dos gays é numa ala psiquiátrica, que o das mulheres é na cozinha, que as vacinas são chips e/ou transformam pessoas em jacarés, que os ciganos devem ser deportados, ou de que no tempo do fascismo, da fome, da censura, da polícia política «é que isto era bom», pode já parar por aqui. Porque aquilo que aqui se dirá, ou escreverá, a respeito de o que se passa não apenas em Portugal, mas em muitas outras latitudes do mundo actual é que não há outra forma objectiva, concreta e factual do que chamar «estupidificação colectiva» àquilo que é, de facto, «estupidificação colectiva», ou «fascização crescente e progressiva das sociedades» àquilo que é, indiscutivelmente, a «fascização crescente e progressiva das sociedades». Ler mais

Chegará o dia das surpresas?

Mas quando nos julgarem bem seguros,
Cercados de bastões e fortalezas,
Hão-de cair em estrondo os altos muros
E chegará o dia das surpresas.

José Saramago

Alguém já decidiu o resultado das próximas eleições por nós. E os ecos dessa decisão já estão por toda a parte. Nos jornais e televisões, nas redes sociais, nos comentadores e nas sondagens, nos próprios beneficiados que aproveitam a onda e embalam nela. Já se sabe que a maioria é esta ou aquela, que partido A vai coligar-se com B, que partido A governará sozinho, que partido B fará acordo ou não fará acordo, que o cenário será este ou aquele, que este vai ganhar e aquele vai perder, e tudo com a mais cristalina das certezas. Apesar de variarem os rostos, variarem partidos e coligações, maiorias ou minorias, há um «corredor» e um destino para o qual inevitavelmente já nos atiraram e do qual não vamos conseguir escapar.

Ler mais

Anatomia de um processo revolucionário: Greve, de Sergei Eisenstein

Em 1918, Sergei Eisenstein abandonou a escola para se alistar no Exército Vermelho. Mais tarde, é no cinema, entusiasmante arte por desbravar, que continua a combater aguerridamente pela construção do socialismo, após uma breve experiência no teatro agit-atracção, ramo experimental e eminentemente politizado. Greve (1925), a sua primeira longa-metragem, é bem mais do que um filme, tendo-se tornado, desde a sua estreia, num marco do cinema soviético que influenciaria os seus contemporâneos, como Dovzhenko ou Ermler, pois o conjunto de inovações técnicas que apresenta, por si só, encabeçavam, na sequência da Revolução de Outubro de 1917, uma nova revolução no que concerne às artes. Parte inaugural de uma série de filmes que reconstroem a luta atribulada dos trabalhadores, na Rússia pré-URSS, e cujo fio condutor é a urgência da ditadura do proletariado, Greve é uma colaboração entre o centro cultural Proletcult e os estúdios Goskino, que se encarregaram da sua distribuição. Embora não tenham chegado, em massa, ao público internacional, até às décadas de 50 e 60, Greve e as demais obras do cineasta despoletaram reformas várias na forma de fazer cinema, particularmente, na Europa. A sua descoberta simboliza um momento de viragem para o cinema de todo o mundo, que se sentou boquiaberto e tomando notas, absorvendo os seus contributos para o desenvolvimento da sétima arte. Hoje, nem Eisenstein está datado, nem a Greve é temática obsoleta.

Ler mais

Morreu-nos a Odete

Morreu-nos a Odete e isso não é dizer pouco. Membro do PCP desde o ano da Revolução de Abril, que nem semente vermelha que veio para crescer e fazer crescer, deu um corajoso contributo para a luta do povo português.

Tornou-se, enquanto deputada comunista, num rosto e numa voz incontornáveis do Partido da classe trabalhadora. A generosidade e frontalidade com que enfrentava os adversários políticos e ideológicos impunham o respeito que apenas as palavras sobre a crua verdade da vida de cada um conseguem.

Ler mais

O Chão Salgado de Marcelo e o Azar dos Távoras dos Portugueses

Ontem à noite, Marcelo saiu do Palácio para um passeio a pé por Belém. A semana tinha começado mal – com notícias que davam conta de suspeitas graves de pedidos de cunha –, a que acresceu uma inenarrável conversa com um diplomata palestiniano, da qual saiu pior que chamuscado. Mas agora, ao que tudo indicava, a semana terminava da melhor forma, até pela oportunidade de secundar as situações anteriores. Costa e o governo PS caíam com estrondo, ainda por cima num caso que envolvia o ministro Galamba, que tinha sido «demitido» por Marcelo mas mantido por Costa.

Ler mais

A torneira, o interruptor e o azul do mar

Fotografia de Mohammed Zaanoun, fotojornalista palestiniano.

Já lá estava gente, já lá viviam pessoas. É isto que os engravatados do telejornal nunca dizem, tentando convencer o espectador de que o início do massacre em curso data do passado 7 de Outubro. Já lá existiam famílias, sonhos e vontades. É o que nunca ouvimos da boca dos finos fantoches do imperialismo, nos estúdios de Queluz de Baixo ou nas costas quentes de Tel Aviv. Já lá conviviam templos, culturas e olivais. Já lá nascia vida. Já lá se moía, há muito, o grão de bico, com um dente de alho, tahini e sumo de limão. Já lá se havia edificado um povo inteiro que, hoje, resiste à barbárie sionista. Os sonhos foram ceifados, os olivais, abatidos, e a Terra, que há muito não é santa, ocupada ilegalmente por essa vesana e assassina ideia de Israel, Estado genocida erguido sobre enxurradas de sangue palestiniano. Mas, à pretensa agência imobiliária divina, nada disto interessa: um livro místico com 2500 anos assegura, num diálogo entre Deus e Abraão, que a terra prometida não é para qualquer um.

Ler mais

Margarida Tengarrinha, a camarada que foi quantas pessoas fossem precisas (1928-2023)

“[…] não há futuro sem memória, que da memória das lutas do passado depende a nossa capacidade de resistência e de construção de todas as novas lutas, a memória aparece como uma espécie de dever, não só ético (ou até afectivo), mas sobretudo político” – Margarida Tengarrinha, “Memórias de uma Falsificadora: A Luta na Clandestinidade pela Liberdade em Portugal”, 2018.

Mr. Trocos

A 25 de Abril de 1974, o Movimento das Forças Armadas, coroando a longa resistência do povo português e interpretando os seus sentimentos profundos, derrubou o regime fascista.

Libertar Portugal da ditadura, da opressão e do colonialismo representou uma transformação revolucionária e o início de uma viragem histórica da sociedade portuguesa.

Carlos Moedas expressou, no passado dia 5 de outubro, a vontade de assinalar o dia 25 de novembro, o dia que consumou a contrarrevolução. O que ele não disse foi que, mais do que assinalar esta data, pretende, sim, menorizar Abril e as suas conquistas, bem como tudo aquilo que para o nosso povo representou. Os objetivos de Moedas são bem mais do que festivos, são políticos e partidários.

Ler mais