Portugal conheceu, nos últimos séculos, vários líderes que exerceram ou ficaram associados ao poder por vicissitudes efectivamente marcantes na História de Portugal. Pode voltar a acontecer num futuro muito próximo. Depois de um Marquês de Pombal pelo iluminismo despótico, de um D. Pedro IV pelo liberalismo, de um D. Miguel pelo absolutismo, de um Afonso Costa pelo jacobinismo republicano, de um Sidónio Pais pelo reaccionarismo monárquico e de um Salazar pela ditadura e pelo fascismo, está na iminência a chegada de um Almirante por injecções em gimnodesportivos. Por um lado, o marialvismo hipersensível ao bafio do passado e que se prepara para votar no “chefe” possível que “ponha tudo na ordem”, talvez não mereça, de facto, nada mais honroso do que desaguar nesta tão humilhante caricatura histórica. Por outro, considerando as lições do passado e a marcha actual das alegadas «democracias» ocidentais, o perigo que isso acarreta, ou que pode acarretar, é inquestionavelmente muito real.
Não tivesse havido pandemia e a questão nem sequer se colocava. Ninguém perderia tempo a falar de um insípido militar da Marinha que, até à data, que se saiba, nunca produziu um parágrafo de inteligência. A ameaça ingénua que era apenas a de se passar eventualmente um “cheque em branco” a um putativo candidato de quem se desconhecia o pensamento ou posicionamento político e ideológico, já começa a dar lugar a uma muito transparente imagem de alguém que já afirmou, por exemplo, preferir o investimento “na defesa” à garantia dos “apoios sociais”. É todo um programa. Sabemos muito bem que tipologia filosófica é que, no panorama político nacional e internacional, preferirá distribuir armas aos cidadãos a pugnar pelo aumento de pensões a idosos ou do abono familiar a crianças. Gouveia e Melo não é a novidade isenta e depuradora; é o ranço velhaco da “ordem” e da “disciplina”. Para uma massa de bafientos, representa antes uma «nova oportunidade».
A sensação que fica, para quem já viu quase de tudo na política portuguesa, e sabe que esse «perigo» é real, não deixa de ser um misto de impotência e de vergonha. Não nos pode espantar a mediocridade das escolhas que são feitas por uma sociedade diariamente doutrinada para a estupidificação. O mundo é hoje, todo ele, uma esfera de redonda boçalidade. É o palco de uma competição para se ver qual das nações escolhe “democraticamente” não só o líder mais “anti-democrático” mas que ponha “ordem na coisa”, como também aquele que seja o mais estúpido dos estúpidos porque estamos «cansados» dos mesmos que temos sido ainda assim responsáveis por eleger. Tempos negros estes, os do capitalismo. Como se fosse de esperar, de resto, outra coisa muito diferente. Como dizia José Gomes Ferreira (o escritor e poeta, não o pacóvio), não se pode mudar um edifício virando os mesmos tijolos do avesso.