Autor: Ivo Rafael Silva

Os “deputados da terra”: na senda da aldrabice

Andam a tentar vender-nos, com muita insistência, a ideia do “deputado da terra” (local), que vai para o parlamento “defender a terra” ou “lutar pelos interesses da terra”. É coisa que não existe. É um logro, uma falácia, uma mentira. É uma táctica eleitoral saloia e desavergonhada, que visa o saque de votos por ingenuidade e ignorância, e não por esclarecimento ou informação do eleitorado. Porque se fosse por esclarecimento ou informação do eleitorado, tais partidos teriam de explicar, devidamente, às populações, o que é que consagra a lei sobre o carácter nacional – e não regional – da representação parlamentar. E, portanto, isto do “nosso deputado” no qual “a terra” deve votar para que ele “nos possa defender”, no âmbito da nossa Constituição, é de tal forma aberrante e manipulador que, enquanto estratégia eleitoral, não se distingue em nada de qualquer outro malabarismo manhoso do Chega ou de André Ventura. É a este papel que PS e PSD se estão a prestar.

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A pingoleta, o garfo, a prostituta e o universo

A recente investida tauromáquica protagonizada por José Rodrigues dos Santos contra o secretário-geral do PCP, causou, muito estranhamente, reacções de estupefacção e escândalo em muito boa gente. Pelas opiniões negativas verificadas um pouco por todo o lado, mesmo por não comunistas, parece ter havido quem olhasse para o “one man show” que é, há muito, o telejornal da RTP – e cujo “one man” é “só” alguém que, dois mil anos depois, diz ter revelado a verdadeira identidade de Jesus Cristo (num romance) – e ficasse convencido de que poderia sair dali uma banal e simplória entrevista a sério. Houve mesmo, ao que tudo indica, quem se sentasse diante do televisor naquela noite e, pasme-se, entre um simples dirigente de um partido político e um escritor que entusiasmou milhões em todo o mundo com o erotismo de uma sopa feita com leite da mama de uma sueca loira e curvilínea, e achasse que o segundo ia simploriamente fazer perguntas básicas de “interesse público”, ou interpelar um convidado somente acerca do acessório “futuro do país”. Como assim?

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Almirante das Injecções e a (mesma) «ordem»

Portugal conheceu, nos últimos séculos, vários líderes que exerceram ou ficaram associados ao poder por vicissitudes efectivamente marcantes na História de Portugal. Pode voltar a acontecer num futuro muito próximo. Depois de um Marquês de Pombal pelo iluminismo despótico, de um D. Pedro IV pelo liberalismo, de um D. Miguel pelo absolutismo, de um Afonso Costa pelo jacobinismo republicano, de um Sidónio Pais pelo reaccionarismo monárquico e de um Salazar pela ditadura e pelo fascismo, está na iminência a chegada de um Almirante por injecções em gimnodesportivos. Por um lado, o marialvismo hipersensível ao bafio do passado e que se prepara para votar no “chefe” possível que “ponha tudo na ordem”, talvez não mereça, de facto, nada mais honroso do que desaguar nesta tão humilhante caricatura histórica. Por outro, considerando as lições do passado e a marcha actual das alegadas «democracias» ocidentais, o perigo que isso acarreta, ou que pode acarretar, é inquestionavelmente muito real.

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Para quando bandeiras da Dinamarca à janela?

Houve, recentemente, um presidente eleito (e quase empossado) que fez uma ameaça à integridade territorial da União Europeia. Até à data, que se saiba, ainda ninguém na União Europeia ameaçou os EUA com sanções. Fazer como fizeram e fazem com a Rússia, por exemplo, por causa de estados que nem sequer são membros da UE. Ninguém usou de discursos encrespados e insultuosos, ficando-se antes por uma tímida resposta, para não parecer muito mal, como a do ministro do exterior francês que disse «muito violentamente» que “é evidente que a UE não permitirá tal coisa”. Atendendo a que o único parceiro bélico de Bruxelas tem sido os EUA, como se defenderá a UE de uma «invasão» por parte dos EUA?

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Não se ganha uma guerra contra a Rússia

Não se ganha uma guerra contra a Rússia, da mesma forma que não se ganha uma guerra contra qualquer potência nuclear. Rússia ou China jamais se imiscuíram ou confrontaram os EUA nas guerras que as sucessivas administrações e presidentes decidiram desencadear, pelos motivos que entenderam, no Médio Oriente, nos Balcãs, na Ásia ou na América Latina. Mas os EUA e seus subordinados entenderam imiscuir-se belicamente na guerra que a Rússia decidiu fazer na Ucrânia. Na sequência de um velho conflito no Donbass e, mais recentemente, da recusa de uma proposta formal russa, de 2021, na qual Putin propunha um compromisso de não-expansão da NATO para leste, a resposta dos EUA foi então a de esticar a corda e avançar, sem medida, para um conflito tão adivinhável e destruidor quanto útil para a indústria de armamento norte-americana. Antes da calçar pantufas, Joe Biden fez questão de garantir mais um encaixe financeiro milionário. O acto arriscado da disponibilização e autorização de uso de mísseis americanos de longo alcance por parte de Zelensky, não se trata, como alguns pretendem e afirmam, de um acesso de loucura ou manifestação de insanidade de um «velho caquético». É o negócio a funcionar. Como tudo o que envolve a «política externa» dos EUA desde há décadas.

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Damn it! Ainda não foi desta!

As eleições e a política interna venezuelana sempre despertaram um enorme e especial interesse dos governantes europeus e norte-americanos. Este «amor» não vem de agora. Não porque a Venezuela tenha 300,9 mil milhões de barris de reservas comprovadas de petróleo bruto, as maiores reservas petrolíferas do mundo, mas porque “nós, ocidentais” o que queremos é democracia e paz no mundo. Só isso.

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O Espaço Chegan

Não tivesse havido aquela votação expressiva num partido de extrema-direita – que alguns inocentemente continuam a tomar por «zanga com o sistema» -, os vários «senadores» da direita alegadamente tradicional e moderada, não teriam saído da solidão das suas cavernas para recuperar, de cara destapada, certas bandeiras reaccionárias já superadas pelo progressismo (possível) das mentalidades e das democracias políticas nas últimas décadas. Esses transportadores de antiguidades ideológicas, resquícios mais mortos que vivos da decrepitude de outros tempos, sentiram que o «ambiente» que, entretanto, se instalara no país acaba por ser, pois, bastante propício, acolhedor, bafiento o suficiente para a sua mensagem prosperar sem grande alarido. Sabendo que, pelo menos, 20% da população será chão fértil às sementes das suas velharias mentais, lá procuram lançar à terra lavrada os preceitos castradores da liberdade e das liberdades conquistadas (a ferros), sob pretexto de uma moralidade peçonhenta que se esqueceu de morrer. Fazendo-o nas barbas de Abril, à laia de provocaçãozinha subtil, vêm mostrar de forma evidente o quão perigosos são os tempos em que vivemos.

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E no entanto ela estupidifica-se

Fica desde já a nota e em jeito de aviso prévio: se alguém, por acaso, estiver aqui à espera de um artigo que tente normalizar, inocentar ou desculpabilizar, directa ou indirectamente, o 1 milhão de votantes – e nem que fossem 50 milhões… – num partido de extrema-direita em pleno século XXI, pode, desde já, tirar o cavalinho da chuva. Se alguém estiver à espera da narrativa ou teoria de que «isto é só gente indignada» ou «revoltada», pura na sua sacrossanta ingenuidade, que saiu de casa, naquele dia, para ir «inocentemente» colocar um voto num partido de gente que acha que o lugar dos pretos é em África, que o dos gays é numa ala psiquiátrica, que o das mulheres é na cozinha, que as vacinas são chips e/ou transformam pessoas em jacarés, que os ciganos devem ser deportados, ou de que no tempo do fascismo, da fome, da censura, da polícia política «é que isto era bom», pode já parar por aqui. Porque aquilo que aqui se dirá, ou escreverá, a respeito de o que se passa não apenas em Portugal, mas em muitas outras latitudes do mundo actual é que não há outra forma objectiva, concreta e factual do que chamar «estupidificação colectiva» àquilo que é, de facto, «estupidificação colectiva», ou «fascização crescente e progressiva das sociedades» àquilo que é, indiscutivelmente, a «fascização crescente e progressiva das sociedades».

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