Marcelo: Som que se propaga no Vácuo

Nacional

O candidato presidencial Marcelo Rebelo de Sousa deu por estes dias uma entrevista à SIC que teve, aparentemente, desde logo, o condão de não ter perguntas previamente combinadas. Não havia, aparentemente, temas “escolhidos” nem guião de conversa como acontecera noutros carnavais, onde de resto Marcelo “nadava” como outrora nas águas do Tejo. E, por isso, aconteceu o esperado: quando confrontado com aquela que é a sua experiência política ou com o seu passado partidário, Marcelo tropeçou em si próprio e conseguiu uma proeza que ultrapassa as barreiras da ciência e as leis da física: propagar som… no vácuo. Mas já lá vamos.

Marcelo é, foi, um desastre político em toda a linha. O seu percurso fala por si.

Há umas semanas escrevi aqui sobre a vacuidade política que é, por trás de toda a embalagem mediática, Marcelo Rebelo de Sousa. Apareceu de imediato, como seria de esperar, quem viesse defender o curriculum académico do reverente professor doutor de Coimbra. O problema é que essa defesa, por si só, não preenche o vazio político de que falávamos e que é factual e absolutamente incontestável. Marcelo é, foi, um desastre político em toda a linha. O seu percurso fala por si. Foram sucessivos e bastante sonoros do ponto de vista mediático até – e a má memória sobre Cavaco ameaçar repetir-se relativamente a Marcelo, embora num outro plano – os insucessos em todos os cargos – e não foram muitos – por onde Marcelo se passeou enquanto não o mandaram calar de vez. E essa evidência ficou uma vez mais realçada nesta última entrevista, curiosamente pela própria voz e pela própria atitude nitidamente incomodada do visado, quando se mexeu na incurável ferida do tempo.

Aconteceu então que, na fase final da entrevista, Rebelo de Sousa fosse interpelado, primeiro, acerca da sua relação com Ricardo Salgado e, depois, sobre o seu passado como dirigente do PSD. E em relação ao primeiro assunto, passaria a situação perfeitamente despercebida, não fosse dar-se o caso de Marcelo ter sentido a necessidade de asseverar que ele até “foi dos primeiros a criticar Ricardo Salgado”, a propósito de situações de “favor” (palavras dele), entre a Câmara de Lisboa e o BES. Acrescentou ainda que, a esse propósito, lhe haviam dito em tempos que só lhe faltava “a boina de Che Guevara”, tal a sua fúria revolucionária para com o seu amigo banqueiro. Logo a seguir, face ao seu passado enquanto líder do PSD, aí é que a porca torceu verdadeiramente o rabo. Com um ramalhete de “feitos” e “conquistas” de que não resta efectiva memória, lá veio Marcelo espalhar “som” onde só há “vácuo”.

Quando o entrevistador fala desta candidatura como a sua “última oportunidade política”, fazendo referência ao seu passado de candidaturas falhadas e à mediocridade da sua liderança do PSD, Marcelo quase pula da cadeira e desata a puxar de supostos e falaciosos galões. Respondeu, desesperado por se justificar, que “ganhou dois referendos” – é tão-só risível -, que “teve um óptimo resultado nas autárquicas” – como se a presidência do PSD interferisse de sobremaneira nas dinâmicas autárquicas –, que foi ele o obreiro da queda de Guterres e ainda, em não menor tom ridicularizante e ridicularizável, que “viabilizou uma revisão constitucional”. Tudo isto para tentar concluir que, contrariamente ao que parece e neste caso o que parece é mesmo, Marcelo até teve “uma grande presidência do partido”. Ou seja, até Marcelo sabe, embora tente disfarçá-lo com a sua mestria comunicacional, que o seu passado político abona tanto a seu favor como a relação de amizade que teve e tem com Ricardo Salgado. Logo numa altura em que o povo português quer ver-se livre de um presidente conotado com o poder financeiro, e numa altura em que está a ser chamado, directa ou indirectamente, a pagar do seu bolso, uma vez mais, os desmandos e abusos de um sistema financeiro proveitoso para as “boas famílias” e ruinoso para o país.

Posto isto, é preciso que Marcelo continue a falar, mas sem prévias combinações. Só assim se verá com maior nitidez que o que Marcelo tem a apresentar aos portugueses é toda uma vida política e partidária a roçar a mediocridade… e nada mais. Não há nada que lhe valha de substancial. Há, sim, uma imagem bem montada, bem construída, de aparato, de espectáculo e mediatismo, naquele que foi o mais longo tempo de antena da história da democracia. E, infelizmente, essa estratégia tem dado alguns frutos no nosso país. Quem domina os meios, domina a consciência. Quem domina a opinião, domina o voto. Não é novo, dura há muitos anos. Esperemos é que não dure por muito mais tempo.