O próximo a ser encostado a uma parede por uma G3 és tu

Nacional

Um amigo enviou-me isto ontem. Estava distraída ao ler e apenas vi não sei o quê de umas revistas em Lisboa pelo Corpo de Intervenção. Guardei-me para hoje.

Sem tresler, agora a ler.

Um relato que diz apenas isto: todos os direitos democráticos e liberdades individuais foram suspensas, numa noite qualquer, numa rua qualquer. À ordem policial esquece-se qualquer legalidade ou direito e, sem qualquer justificação, três autocarros são parados, as pessoas encostadas à parede e revistadas.
«É normal», dizem pessoas que já viram mais do que uma vez. É normal ires na rua e seres encostado a uma parede e revistado.

É normal depois de uma manifestação fecharem a 24 de Julho e perseguirem furiosamente cidadãos que por ali passam, alinhá-los, algemá-los e desaparecerem com eles durante três horas até os deterem outras três, em parte incerta, sem autorizar qualquer contacto com quem quer que fosse.

É normal deterem jovens menores porque pintam um muro de ninguém e fechá-los numa esquadra, enquanto despem as raparigas à procura de droga, que nunca encontraram.

É normal, é normal, é normal. É normal. Por partes, sobre o que é normal.

O que diz o Código de Processo Penal sobre a identificação de pessoas?

Artigo 250.º
Identificação de suspeito e pedido de informações

1 – Os órgãos de polícia criminal podem proceder à identificação de qualquer pessoa encontrada em lugar público, aberto ao público ou sujeito a vigilância policial, sempre que sobre ela recaiam fundadas suspeitas da prática de crimes, da pendência de processo de extradição ou de expulsão, de que tenha penetrado ou permaneça irregularmente no território nacional ou de haver contra si mandado de detenção. 

2 – Antes de procederem à identificação, os órgãos de polícia criminal devem provar a sua qualidade, comunicar ao suspeito as circunstâncias que fundamentam a obrigação de identificação e indicar os meios por que este se pode identificar. 

3 – O suspeito pode identificar-se mediante a apresentação de um dos seguintes documentos:
a) Bilhete de identidade ou passaporte, no caso de ser cidadão português;
b) Título de residência, bilhete de identidade, passaporte ou documento que substitua o passaporte, no caso de ser cidadão estrangeiro.
(…)9 – Será sempre facultada ao identificando a possibilidade de contactar com pessoa da sua confiança.
Isto, é gajo para não ter sido respeitado, digo eu.
Tal como me recuso sempre a ser identificada pela polícia e é normal que me digam que não me posso recusar, costumo fazer logo as perguntas:
– sou suspeita de algum crime?
– há processo de extradição ou expulsão contra mim?
– há mandado de detenção?
– estou ilegal?

À normal falta de resposta exijo ser detida e levada para uma esquadra. E depois a normalidade varia muito.

Mas perante o Corpo de Intervenção, mesmo a normalidade de poder fazer perguntas deixa de ser normal. É a ausência total e absoluta de quaisquer direitos ou liberdades individuais. A suspensão da dita democracia. A violação de tudo aquilo que é conhecido como direito fundamental.

Estas investidas securitárias e repressivas há muito que fazem silenciosamente o seu caminho. Há muito que instigam a normalidade. Há muito que manipulam a opinião pública de modo a que se justifiquem estes actos. Há muito que acontecem mas no meio de gente que, para a maioria das entidades, são não-pessoas ou pessoas menores porque são pretos ou ciganos ou vivem em bairros pobres. Tal como muitas outras medidas, a obsessão securitária deixa o ghetto e aproxima-se da burguesia. Já dizia o Passos «ninguém será deixado para trás».

Resta agora saber se aos canhões vamos continuar a responder com pedras.

Relato de Pedro Baptista-Bastos, testemunha ocular do acontecimento na Baixa:
“Em todos estes anos de noite lisboeta, assisti a uma cena impressionante: o Corpo de Intervenção (CI) fechou o perímetro entre o Arco da Rua Augusta e a Rua da Prata. Estava a regressar a casa com o Gonçalo Pina e três tipos do CI pedem para atravessarmos o passeio. O aparato era impressionante: quatro carrinhas do CI, três carros da PSP, dezenas de agentes sob os arcos desse perímetro em três linhas de formatura, totalmente armados.
Ambiente de intimidação.
Alguma coisa se estava a passar, ou ia acontecer ali. Ficámos à espera para ver o que iria suceder.
Nisto, a primeira formatura atravessa a rua e manda parar os autocarros que saíram do Cais do Sodré e iam para a zona de Oriente – Odivelas.
O CI pára três autocarros e mandou sair uma série de passageiros, alinhá-los sob as arcadas e revistá-los.
Toda a gente calada e encostada.
Dentro dos revistados, turistas alemães e brasileiros – os primeiros a sairem, confusos e assustados.
Nunca vi um alinhamento de revistados assim.
Ao voltarmos de táxi para casa, o taxista disse que o CI começou a fazer este género de operações de há duas semanas para cá.
Este tipo de demonstrações de força e intimidação não são normais em Portugal.
Espero que isto não seja um prenúncio de outras coisas mais graves que possam estar latentes, ou prestes a explodir no nosso País, e digo isto com toda a sinceridade.
Critico duramente o Cavaco e o Governo – mas estas situações são outra coisa.”