Sequestrados e sem direitos políticos

Nacional

Eduardo Gajeiro - 1° de Maio de 1974

Há cerca de duas semanas, em conversa telefónica, a minha mãe, residente num lar, manifestou que queria votar, de uma forma tão categórica que até me surpreendi, já que ela tem por hábito delegar todo o tipo de decisões para os filhos. É certo que ela nunca deixou de votar e que para isso nunca manifestou a mais mínima indecisão. Fui procurar o que havia sido decidido sobre o assunto e nada. Nada de nada.

Uns dias depois dizem-me que aos lares serão aplicadas as mesmas regras que às pessoas em confinamento obrigatório. Na página do SGMAI não há nada sobre isso mas oiço e leio algures essa confirmação. Como o prazo para requerer o voto nessas condições era entre 14 e 17, e no dia 14 não tive oportunidade de falar com a diretora do lar, falei com ela no dia 15.

Mas antes liguei para a linha de apoio ao eleitor para esclarecimentos sobre o assunto e confirmaram-me que se aplica aos lares o mesmo que aos eleitores em confinamento obrigatório, ou seja, podem requerer o voto para a morada de recenseamento ou para outra no mesmo concelho ou limítrofe. Dizem-me ainda que são os lares a fazer o pedido.

Quando falo com a directora do lar, digo na minha estúpida ingenuidade de quem acha que estas coisas estão acauteladas “Olhe, a minha mãe quer votar”. Faz-se um silêncio e ouço uma mudança na respiração como de alguém que está a procurar manter a calma. Imagino os pensamentos da senhora “só me faltava agora esta vir-me com os direitos políticos, esta tipa não sabe que isto é um lar e estamos numa pandemia?” No entanto responde “a sua mãe é recenseada em Alcântara?” Não, não é. “Ah! Então não pode votar. A informação que temos é de que só as pessoas recenseadas nesta freguesia podem”. Desculpe, isso não é verdade. São as pessoas recenseadas no concelho ou concelho limítrofe. “É a informação que temos” papagueava a senhora. Acabo de falar para o Ministério da Administração Interna, e foram eles, da Administração Eleitoral, que me confirmaram a informação. “Não é essa a informação que temos” continuava ela. Já farta daquilo disse-lhe, não sei que informação é que lhe deram, mas se não é a que lhe estou a dar agora está errada. A senhora descai-se “não foi isso que vi na televisão”. Ó minha senhora, na televisão? A mesma que ressuscita pessoas que matou uns dias antes? A televisão não é fonte oficial de coisa nenhuma.

Passados uns minutos a senhora manda-me uma foto do ecrã do computador e telefona-me a dizer que não conseguiu fazer o registo e que isso devia ser por causa do recenseamento não ser no concelho. Fui ver a foto e podia ler-se “se é residente num lar privado deverá confirmar junto a essa estrutura se os dados fornecidos à Segurança Social se encontram actualizados e pedir, se for o caso, a actualização dos mesmos”. Envio logo uma mensagem de resposta dizendo que a mensagem significa que ela não forneceu os dados à Segurança Social. Tentei contactar a Segurança Social em vão. Era final de tarde de sexta-feira.

Com um prazo de 4 dias para tratar do assunto, dois deles em fim-de-semana. Um prazo que nem sequer foi divulgado porque nem sequer estava previsto. Como podia eu tratar com a Segurança Social? Ou o lar sanar o seu erro? Como poderia eu ter feito o pedido antes se a informação era a de que o prazo era de 14 a 17?

No sábado vejo na televisão o ministro Eduardo Cabrita responder a um jornalista, que lhe perguntou sobre os protestos de pessoas em lares não poderem votar, qualquer coisa como: a culpa é dos lares que não enviaram os dados à Segurança Social.

Apresentei um protesto à Administração Eleitoral no domingo e perguntava pela disposição legal que fazia depender a votação dos residentes em lares de uma comunicação à Segurança Social. Porquê? Não obtive resposta.

Ontem liguei para a Comissão Nacional de Eleições e a dada altura dizem-me que a minha mãe pode sair do lar para votar sem ter de ficar em isolamento interno. Deram-me indicação da localização da acta, pasme-se, de 29 de Dezembro (alguém sabia disto?)

Comuniquei ao lar que no domingo levaria a minha mãe a votar já que não havia conseguido que ela votasse antecipadamente. Juntei cópia da acta da CNE.

Algumas horas depois a directora do lar envia-me uma declaração da delegada de saúde, datada de 16 de Janeiro, a dizer que a minha mãe se encontra em isolamento profilático até dia 26. Acontece que a minha mãe realizou no dia 18 um teste à Covid19 e obteve, no próprio dia, um resultado negativo.

Os direitos políticos dos residentes em lares foram completamente ignorados, ao ponto de nem a lei os contemplar e recorrer-se ao artifício de aplicar a estes eleitores uma lei destinada à situação de outros. Eles, os residentes em lares que têm pago o mais alto preço nos últimos tempos. Eles, que junto a outros da sua geração, foram os que souberam o que é uma vida de direitos amordaçados. Eles, que abriram as portas de Abril. Eles, que votaram uma constituinte que pariu o texto cujo presidente a eleger deverá fazer cumprir.
A eles retira-se o direito a opinar e a escolher.