80 500 euros ano/turma

Nacional

A Comissão Europeia, uma cúpula não eleita que dirige a União Europeia, tem um organismo composto por gente não eleita que é dotado de poderes que se sobrepõem aos dos estados, aos dos governos de cada país, aos das assembleias democraticamente eleitas em cada estado. A juntar a isso, cada país tem também um banco central, como o Banco de Portugal, igualmente não eleito nem controlado por ninguém. A não ser pelos Bancos privados, claro.

Esse tal organismo da Comissão Europeia, a Direcção-Geral da Concorrência (DGComp), também se lhes sobrepõe.

A DGComp é particularmente atenta àquilo a que chama “ajudas de Estado”. E impõe uma disciplina férrea para que a concorrência seja livre e efectiva entre os grupos económicos. Mas fá-lo de uma estranha forma. Vejamos, no caso Banif, por exemplo, a DGComp fez questão de garantir que a venda do Banif era feita num contexto de total igualdade entre todos os interessados. Como garantiu isso? Fazendo com que apenas um interessado pudesse efectivar a sua proposta e arredando os restantes. A Caixa Geral de Depósitos não podia comprar o Banif porque tinha uma “ajuda de Estado”, a JC Flowers não podia porque não tinha ainda presença bancária em Portugal, outros não puderam comprar porque não tinham um negócio bancário 5 vezes superior ao do Banif. Ou seja, foram inventadas regras – inventadas mesmo – para garantir que apenas o Santander pudesse comprar o Banif. Como está assegurada a livre concorrência? Segundo o Secretário de Estado do Tesouro, a DGComp assumiu que o seu papel não é criar condições para que haja muitos interessados, mas sim assegurar que todos os interessados a concurso estão em pé de igualdade. Ou seja, se o interessado a concurso for apenas um, estará sempre nas melhores condições de igualdade possível. Consigo próprio.

A intromissão da DGComp nas decisões de cada estado sobre áreas absolutamente fundamentais não é, contudo, e ao contrário do que possa parecer, para garantir uma efectiva concorrência com limitação à constituição de monopólios. Pelo contrário, a intervenção intrusiva da DGComp visa especialmente garantir que os grandes grupos económicos e financeiros sejam capazes de monopolizar o negócio. Desde os bancos ao sector energético, esse é o papel objectivo da DGComp. Ou seja, a DGComp considera que um Banco que conte com “ajudas do Estado” tem de ser rapidamente limpo para entregar de bandeja a acionistas privados que tenham condições para integrar o banco no seu balanço – o que significa objectivamente que um banco tem de ser entregue a um banco maior, sendo que a DGComp não pondera sequer a ideia de os bancos pagos pelo Estado poderem, de facto, ficar nas mãos do Estado. Parece que isso distorce a concorrência.

Mas a posição da DGComp é muito curiosa. Por exemplo, para criar monopólios industriais, ou para financiar o surgimento de novos monopólios, as ajudas de Estado são quase sempre aceites, como é o caso das energias renováveis em Portugal, mas também numa boa parte de países europeus, onde a consolidação de uma rede de geração e distribuição não é do interesse de nenhum agente privado. Então, nesses casos, a DGComp autoriza que o Estado dê uma “ajuda de Estado” para a implantação dessa rede. Veja-se o que se passou em Portugal com as eólicas e que continua a passar-se: o Estado paga às empresas o investimento que é necessário para implantar a rede de geração, depois a empresa tem de devolver a “ajuda de Estado” reflectindo esse custo na tarifa de electricidade. Ou seja, o cidadão paga – através do Estado – o custo da construção e implantação da rede de geração e depois paga à empresa que fica com essa rede a tarifa com um acréscimo para devolver ao Estado a “ajuda”. Ou seja, os cidadãos pagam a dívida a si mesmos, sendo que a operação é neutra do ponto de vista do Estado como um todo, mas é duplamente penalizadora do ponto de vista do bolso de cada um dos cidadãos.

Curiosa é também a abordagem que o Comissão Europeia faz sobre o apoio à produção cinematográfica, por exemplo. No âmbito das secretas negociações em torno do TTIP – Tratado de Livre Comércio Transatlântico – a Comissão Europeia preparava-se para legislar no sentido de proibir o financiamento de Estado à produção cinematográfica europeia porque, como nos Estados Unidos o cinema não é financiado, seria uma distorção na concorrência entre Hollywood e as produções RTP!

Mas tudo isto refiro para chegar à concorrência no disputado mercado da Educação. Os grupos económicos estiveram-se nas tintas enquanto a educação era uma coisa que precisava de investimento. Durante anos e anos, foi preciso que os cidadãos se unissem para fazerem as suas próprias escolas, depois o Estado assumiu esse papel e, agora, agora que a Escola representa um apetecível mercado, os privados já estão muito interessados no negócio. A bem da Educação, claro está!

Ora, sendo que as “ajudas de Estado” são, sempre que convém à DGComp e aos grupos monopolistas, uma distorção nas regras da concorrência, então que dizer de um conjunto de empresas que só vive à custa do Estado? Que dizer de empresas privadas que distribuem lucros entre os seus acionistas ou sócios e que só têm negócio porque o Estado lhes paga as contas e ainda lhes angaria clientes? Isto não é manter empresas ligadas à máquina com o Estado a pagar a conta? Isto não é favorecer empresas perante outras?

Claro que a Educação, para nós, não pode ser entendida, em momento algum, como uma commodity, uma mercadoria. Claro que a Educação é um direito, claro que não pode estar sujeita ao controlo de interesse privado algum, claro que não pode deixar de ser laica quando paga pelo Estado. Claro que a Educação privada é sinónimo de degradação da qualidade e de desigualdade. Mas não era disso que se pretendia falar. Este é um texto sobre a mentira da “livre concorrência capitalista” que na verdade se chama “concentração monopolista”.

80 500 euros por ano, por turma, é o que os portugueses pagam a colégios privados para funcionarem, muitos deles pertencem a um mesmo dono, a uma mesma empresa. Ficar rico à sombra do Estado. Capitalismo 101.