O estrebuchar bafiento de Cavaco

Nacional

Estrebuchando até ao último suspiro ao sabor de antigas amizades, embalado e motivado por afinidades partidárias e ideológicas, e fazendo tudo isto com aquele seu típico travozinho de pessoa vingativa e provocatória, Cavaco Silva continua a distribuir umas quantas honrarias públicas por uma casta de gente que nada de positivo deu ou trouxe à democracia ou ao país. Muito pelo contrário. Há poucos dias, assistimos à entrega de medalhas a ex-ministros dos governos de Passos Coelho e Paulo Portas, não nos poupando Cavaco ao desprazer e nojo, para não dizer pior, que foi vermos um suposto “garante” da Constituição premiar aqueles que, nos últimos anos e de forma sucessiva e reiterada, mais atentaram contra a lei fundamental do Portugal democrático.

O 25 de Abril foi apenas ontem, e aquilo que o 25 de Abril matou demora a enterrar

Como se isso por si só não tivesse bastado, e porque ainda vai havendo tempo para Cavaco continuar a distribuir mordomiazinhas e rebuçados pelos amigalhaços de ontem e de hoje, o país foi agora confrontado com a condecoração dessa patusca e fantasmagórica figura de nome António de Sousa Lara. Alguém que a própria sociedade, de uma maneira geral, se encarregou – e bem – de desvalorizar e esquecer, a que o próprio correspondeu com um muito proveitoso e higiénico exílio público, aliás de salutar, é agora trazido desde as profundezas do obscurantismo cavaquista, do que de pior o cavaquismo teve, sendo recuperado à luz do dia – e sem vergonha alguma – das gavetas cerradas de um acto de censura que envergonhara, envergonha e envergonhará o país sempre que se fale de José Saramago.

O 25 de Abril foi apenas ontem, e aquilo que o 25 de Abril matou demora a enterrar. Até que a necessária inumação se faça, e se faça de vez, o cadáver continuará por aí, sob vários nomes, títulos e cargos, a infestar o ar da democracia. Cada pazada de terra será sempre pouca e leve para o mal que nos fizeram. Cada minuto que passa sem o enterro do “antigamente” é uma hora de avanço no regresso a esse passado abjecto de dor e miséria. Vivemos e enaltecemos aquela bela madrugada, mas urge, urge muito, o “dia inteiro e limpo” que está ainda por nascer.