Fuzilados pela madrugada, a pena de morte nos EUA*

Internacional

Num pedaço de papel amarrotado, Joe Hill escreve à pressa o último poema «O meu testamento é fácil de decidir / porque não há nada a dividir. / O meu povo não precisa de choro nem lamento / que o musgo não cresce numa pedra em movimento». Os primeiros raios de uma luz implacável já iluminam a cela quando vieram buscar o sindicalista. Aos guardas prisionais do Utah cabe encenar o tétrico protocolo: «Joe Hill, operário, 36 anos, conhecido revolucionista e agitador», lê o polícia, «o Estado do Utah condena-o a morrer por fuzilamento. Deseja pedir uma última refeição?». Haverá mais burilado requinte de crueldade que convidar alguém a escolher a última refeição?

«Preparados!». De pé, mãos e pés atados, pano negro sobre a cara, Joe Hill respira pela última vez o ar glacial da manhã de 1915. «Apontar!». Cinco espingardas fazem mira a um papel branco, colado ao peito de um homem inocente. Uma das armas está carregada com uma bala de borracha; as outras quatro, com balas de chumbo. Assim, nenhum dos guardas saberá se terá sido ele a matar, quando apertar o gatilho com essa mesma intenção. «Disparar!». O estrondo assusta os pássaros que esvoaçam contra o sol e um fio de sangue rubro abre arroios na poeira como mercúrio derramado.

Cem anos volvidos, o Estado do Utah reintroduz o pelotão de fuzilamento. E não se trata de um caso isolado: este ano também o Wyoming aprovou o mesmo método de execução e, em Março, a cadeira eléctrica regressou ao Alabama. Mais recentemente, em Abril, o membro da Câmara dos Representantes do Oklahoma, Mike Christian, congratulou-se com a aprovação da câmara de gás: «Não quero saber se é injecção letal, cadeira eléctrica, fuzilamento, enforcamento, guilhotina ou atirá-los aos leões», explicou aos jornalistas. É a própria civilização humana que parece recuar nos EUA: de costa a costa, floresce o racismo colonialista, a exploração esclavagista e a mentalidade feudal, numa tendência também escoltada pelos métodos de pena capital. Actualmente, a pena de morte nos EUA faz-se por injecção letal, enforcamento, cadeira eléctrica, fuzilamento e câmara de gás.

Pena de morte em tempos de austeridade

No entanto, há uma explicação prática para o regresso à barbárie. Com a maior população prisional do mundo e os corredores da morte cheios, os 32 Estados que mantêm a pena capital não têm conseguido abastecer-se dos químicos usados na composição da injecção usual. O Texas, por exemplo, que ostenta uma média de duas execuções por mês, só tem mais duas doses até ao fim do ano. Confrontados com a falta de cooperação da indústria farmacêutica europeia e com o custo de produção da droga, estes Estados voltam-se para métodos antigos e também para outros novos.

A chamada «três-drogas», uma mistura de venenos baratos, é hoje em dia o principal e o mais cruel de todos os métodos de pena de morte nos EUA. Pode demorar horas a matar a vítima e provoca espasmos, contorções musculares e dores intensas. Michael Lee Wilson, executado em Janeiro, descreveu a sensação como tendo «todo o corpo em chamas».

Apesar de alguns progressos, como a abolição da pena de morte por seis Estados nos últimos oito anos ou a proibição federal, em 2005, de executar menores de 16 anos, o único balanço possível é que a sociedade dos EUA está doente. A sua ideologia é a expansão e a morte, a mesma ideologia da célula cancerígena e a sentença que há-de perseguir a humanidade inteira até se curar a enfermidade que a aflige, o capitalismo.

*Originalmente publicado no Jornal da Voz do Operário