A canalhice das tarifas sociais da energia

Nacional

Há umas semanas que a televisão tem mostrado um spot muito querido e fofinho sobre a tarifa social da electricidade e a «ASECE»  (Apoio Social Extraordinário ao Consumidor de Energia).

“Eu tenho o complemento solidário para idosos”

“E eu que recebo o rendimento social de inserção?”

“Eu tenho uma pensão social”.

Por isso, o governo dá uma migalha e “ajuda” todos os pobres e desempregados que fabrica diariamente com este plano tão espantoso e fantástico de apoio social «extraordinário» que, para ser aplicável, o rendimento máximo anual num agregado de uma pessoa, tem que ser 4800 euros. Ou seja: 342,85 euros por mês (no pressuposto do pagamento de 14 prestações mensais). Ainda que sejam 12, falamos de 400. Isto é: um valor mensal inferior ao salário mínimo nacional, ao indexante dos apoios sociais, ao limiar mínimo da pobreza.

A energia – a luz e o gás – são bens de primeira necessidade. Não se vive sem luz, água, gás. O governo, já desde o PS pós revolução, entendeu que estes bens deviam ser privatizados e entretanto liberalizados. Mas, claro, apoia extraordinariamente «o consumidor de energia» (como se houvesse possibilidade de o não ser…).

O pagamento das contas de gás e electricidade atingem, hoje, valores de 90 e mais euros por mês em agregados de duas pessoas (apesar da ERSE falar de valores mensais que rondam os €50,00 mês, se conhecerem alguém que só pague isso, digam-me, por favor).

Não será demais lembrar que a electricidade subiu 3,3%: 4,7 vezes a inflação prevista para 2015. E vejamos, então, quem são os potenciais beneficiários da «tarifa social» e do apoio extraordinário:

Em Dezembro de 2014, estes eram os números oficiais:

Beneficiários de Prestações de Desemprego: 304.393 (em Dezembro de 2013 eram 375.057)
Beneficiários de Rendimento Social de Inserção: 210.669 (em Dezembro de 2013 eram 231.136)
Beneficiários de Complemento Solidário para Idosos: 171.378 (em Dezembro de 2013 eram 209.886)

Temos então, num universo de 598.581 desempregados inscritos, apenas 50,85% recebem subsídio de desemprego, com um aumento do número de desempregados mas diminuição em 70 000 do número dos que recebem subsídios.
Já o rendimento social de inserção regista uma queda de cerca de 21.000 pessoas, mas é importante que se saiba a média deste rendimento. O valor médio desta prestação, por pessoa, é de €91,84. Por família, €215,97.
Já o complemento solidário para idosos, desde a sua criação, permanece uma incógnita. Há quem diga que o valor médio é de €70, outros dizem €80, outros ainda dizem €109,4. A verdade é que nunca nenhum governo publicou os valores, sabendo-se de complementos no valor de €1,00. O que sempre disseram os governos PS, PSD e CDS é que o valor do CSI é de 4.909 euros por ano, ou seja 409,08 euros por mês. O que não é verdade. E também não é verdade que existam 300 mil idosos a viver com mais de 300 euros por mês, como prometeu o PS de Sócrates quando lançou esta prestação na campanha eleitoral.

Resumindo: as facturas de electricidade terão tarifa social e o apoio extraordinário se:
– ganhares 400 euros por mês;
– tiveres a sorte de ter subsídio de desemprego mas não ultrapasses o valor obsceno dos 400 euros mês;
– receberes o €91, 84 por mês de rendimento social de inserção (provavelmente o único rendimento que recebes);
– receberes o complemento solidário para idosos que, afinal, ninguém sabe quanto é.

Ora, em que se traduz essa tarifa e esse apoio? De acordo com as estimativas da ERSE (que continuo a achar completamente a leste da realidade):

– desconto de 19% por ano na luz com potência contratada até 6,9 kVA
– desconto de 16% por ano no gás com limite de 500 m3.

Quantas famílias ia abranger nas contas do governo? 500 mil. Quantas têm o dito desconto? 61 mil.

Quanto representa o gasto com energia num orçamento de 400 euros? Cerca de 25%. Consegues viver sem energia? Não. Consegues viver com 400 euros? Não. Consegues viver com um desconto de 18% no total, que te baixa o gasto com energia (desde que consumas dentro daqueles valores) para 20% do teu orçamento? Não.

Mas o anúncio perverso e insidioso diz que podes viver com um subsídio de desemprego, com rendimento social de inserção e com os descontos extraordinários do governo fofinho.

E eu, de cada vez que vejo o anúncio só me apetece incluir mais esta medida nos requisitos para se ser um filho da puta. Porque é preciso desprezar (e muito) as pessoas para as tratar desta forma tão indigna.