A crise da esquerda no Ocidente é a crise do liberalismo perante o retorno do fascismo. Até há pouco tempo, o voto em soluções simbólicas parecia inteligente: votar Livre, BE ou PS seria uma forma de soprar os valores de esquerda numa ordem que, sem esse compromisso totalmente feito de cedências políticas e avanços retóricos, seria ainda pior. Mas esse jogo está a acabar – e é o fascismo que está a vencer. Nas eleições de 18 de Maio, o eleitorado que se identifica com esses valores de esquerda tem diante de si duas opcões: o suicídio político ou o voto na CDU.
Votar nos congéneres portugueses de Kamala Harris, incluindo os ecos de Bernie Sanders ou Alexandria Ocasio-Cortez, é pavimentar o caminho para um um Trump português. Já praticamente indistinguíveis, PAN, PS, BE e Livre são iterações ideológicas do mesmo liberalismo social de Kamala Harris, Bernie e AOC que se tornou repulsivo para milhões de trabalhadores estado-unidenses: elitista; desligado do mundo do trabalho; imperialista; cosmopolita e desenraizado da cultural nacional. Não importa se gostamos mais ou menos de Kamala, de Bernie ou de AOC: já sabemos que não funciona.
Rui Tavares, escolhido pelo grande capital para ser o novo BE, recolhe tanta simpatia entre «famosos mediáticos» como Kamala Harris… antes de perder. Não surpreende: quem não tiver pachorra para ler o programa de Rui Tavares pode simplesmente ver o programa de John Oliver, de John Stewart, Stephen Colbert ou Samantha Bee. Ao menos dá para rir.
Kamala Harris conseguia dialogar Beyoncé e Taylor Swift, mas era incapaz de conversar com o comum trabalhador estado-unidense. Se estivermos à espera que Livre e BE consigam apelar aos trabalhadores portugueses frustrados, desiludidos e despolitizados, mais vale estendermos já o tapete ao Chega. A CDU é a única esquerda com os pés assentes na terra, que conhece os problemas da classe trabalhadora porque também os sofre, porque vive e trabalha nos mesmos bairros e nas mesmas empresas – porque está todos os dias na luta.
Não surpreende que o capitalismo precise de substituir o BE, que há muito perdeu a frescura, a novidade e a surpresa. Recentemente, Maria Escaja, deputada municipal do BE, declarava que “a cultura portuguesa é uma grande merda”. Referia-se, estupidamente, ao drama da violência doméstica, como o que melhor define «a cultura portuguesa. Mais uma piada da página de memes.
Mas haverá melhor tempo de antena para a extrema-direita do que as palavras desta “esquerda” que é a caricatura auto-declarada que a direita gosta de fazer da esquerda? O Bloco de Esquerda transformou-se numa página de memes dedicada a reciclar a cultura liberal dos EUA para a internet portuguesa, sem sequer lhe alterar a língua. É claro que estes colonizados mentais, que escrevem, pensam e falam em liberalismo estado-unidense, não sabem que a nossa cultura é cante alentejano, gaitas de foles, Raul Brandão, Amália Rodrigues, Maria Lamas, caretos de Podence, Camões, artesanato de Barcelos, José Saramago, tapetes de Arraiolos, Gil Vicente, danças e cantares das Beiras, Aquilino Ribeiro, adufes, Eça de Queirós, festas populares, José Gomes Ferreira, culinária, Antero de Quental, arquitectura, Soeiro Pereira Gomes, história, Alves Redol, associativismo, Carlos de Oliveira, bandas filarmónicas, Paula Rego, poesia popular, Mário Cesariny, guitarra portuguesa, Carlos Paredes… a lista é demasiado longa e Maria Escaja demasiado pequena. A decadência do BE do PAN é a explicação do Livre e o Livre é o BE que articula o liberalismo com as letras todas, numa demagogicamenete irresistível amálgama total.
A agenda social e económica do Livre, do PAN e do PS pode resumir-se a uma transferência de dinheiros públicos para bolsos privados. O Livre promete 5000€ a todos os nascidos em Portugal, que é como quem diz “para que precisamos de direitos e de segurança social se já temos todos 5000€?”. PS e PAN desdobram-se em promessas de subsídios que, com o dinheiro de todos os trabalhadores, paguem as renda que senhorios estipulam e as borlas fiscais necessárias para apaziguar os grandes grupos económicos que detêm as casas, os supermercados ou a gasolina. Mas o Livre, em coro com a Iniciativa Liberal, vai mais longe e promete “cheques” para tudo: comunicação social, para os trabalhadores escolher se querem dar dinheiro ao jornal do Balsemão ou do Galinha; cheques para gastar nas creches privadas; cheques para a cultura… Tudo menos financiar, valorizar e expandir o que é de todos porque, como diz o Livre, a ideia de «o Estado planificar a economia» é própria de um «regime autocrático». O que cabe ao Estado, e cito novamente o programa do livre, é o Estado, é «apoiar as pessoas» a pagar a renda de UM QUARTO, porque casas decentes e apartamentos inteiros é coisa do passado. Moderno é co-living, especialmente para os outros.
Também é o Livre que lidera o resto da esquerda kamalizada numa espiral suicida de retro-alimentação com Chega: passam a vida atrás da agenda mentirosa de André Ventura que, claro está, também não encontra dificuldades em expor as contradições e a hipocrisia destes partidos liberais “de esquerda”. Também aí, a CDU é a última força não-kamalizada da esquerda portuguesa: os comunistas foram os únicos que não aceitaram fazer uma vénia incondicional a Zelensky e, desde o princípio gritaram paz. Quando PS, PAN, Livre e BE batiam palmas a fascistas, ignoravam as ilegalizações de partidos políticos na Ucrânia, desviavam os olhos dos atropelos aos direitos humanos, enviavam mais armas para continuar a guerra e entregavam à embaixadora da Ucrânia os dados pessoais dos ucranianos que fugiram à mobilização.
A CDU é a única força que continua a centrar o debate nos salários, nos direitos laborais, na saúde, na educação, nos transportes, enquanto a esquerda kamalizada se enreda em questões secundárias, como as touradas do PAN ou os pronomes do BE, que agora discute a neutralização de todos os pronomes de todos os manuais escolares enquanto a classe trabalhadora não consegue pagar um quarto. A CDU é a única força que não compra a “guerra cultural” que os EUA inventaram para não repararmos na guerra social que nos estão a fazer.
A CDU também é a única força que não tem vergonha de assumir as exigências da soberania de Portugal contra os ditames da NATO, da UE e dos EUA. Também a este respeito a posição do Livre resume o que também pensam BE, PS e PAN, senão veja-se: o Livre exalta a UE, que condenou à morte 30 mil migrantes no Mediterrâneo “um espaço de liberdade, segurança e justiça” e diz-nos que essa mesma UE que nos impôs a austeridade da Troika e agora nos impõe a guerra, o militarismo e a destruição da produção nacional para fazer de Portugal a Disney dos turistas “quer ir na direcção da solidariedade”. BE e PS, concordam, claro. Para o Livre, a NATO da guerra, do colonialismo e do racismo, em que Salazar nos enfiou a todos, é “o caminho”, pelo que devemos endividar-nos e ficar mais pobres para comprarmos mais armas.
Como o Livre é a fusão sincrética de BE, PS e PAN, é um catavento ideológico, sem memória nem história que, tal como André Ventura, pode dizer tudo e o seu contrário. O partido uni-pessoal do historiador “anarquista” Rui Tavares é tão “de esquerda” que aplaudiu Jaime Neves na cerimónia do 25 de Novembro, jurou estar pronto para “dialogar com a direita democrática” e, quando Trump chegou ao poder, avisou que “a América como a conhecemos morreu hoje” – sim, hoje e não ontem em Hiroshima, Nagasaki, Vietname, Iraque, Palestina, nem em mais de cem países onde os EUA promoveram guerras e golpes de Estado. Rui Tavares é um historiador com amnésia para uma esquerda esquecida de quem é.
A CDU não anda ao sabor do vento nem a reboque das agendas dos EUA: é a esquerda dos trabalhadores, da luta por uma vida melhor, com raízes profundas na história de portugal e nas lutas do seu povo. É a esquerda com que se pode contar para enfrentar a direita com a coragem de sempre.