A importância de ser Ernesto

Nacional

Oscar Wilde retratou (o uso da palavra é intencional, claro) na perfeição a importância da aparência em muitas das suas obras. Ernesto, o pobre e Ernesto, o rico, simbolizam a decadência da burguesia, competindo pelo amor de uma dama, para quem a imagem era tudo, independentemente do infortúnio que a esperava por detrás das máscaras de opulência e prestígio.

A verdade é que entre as páginas dos livros e a realidade, não dista muito hoje o dia a dia da ficção. E não falo de amores ou desamores, mas de postos de trabalho e uma complexa rede de influências, de ligações, de favores e dependências que me ultrapassam e que a maior parte das vezes me trazem à cabeça a imagem de Alexander DeLarge de Anthony Burgess, celebrizado por Stanley Kubrick na sua Laranja Mecânica, acorrentado a uma cadeira, com as pálpebras abertas, forçado a ver imagens de utlraviolência associadas à 9ª Sinfonia de Beethoven.

De facto, enquanto a música continua a tocar, a ultraviolência do sistema bancário não pára de ser exercida e não me refiro ao sistema macroeconómico. Refiro-me a famílias, a salários, a todo um processo que tem vindo a decorrer pelo menos desde Março perante a total complacência e colaboração de todas as entidades de quem se esperaria inspecção e acção: Autoridade para as Condições do Trabalho, Ministério do Trabalho, Direcção Geral das Relações de Trabalho e do Emprego, Ministério das Finanças, Provedoria de Justiça, Procuradoria Geral da República, Segurança Social. E porquê? Talvez por ser o Novo Banco. Talvez por ser apenas um banco.

A verdade é que durante duas semanas, centenas e centenas de trabalhadores foram enfiados em pequenas salas onde estavam representantes dos recursos humanos e advogados da sociedade Rebelo de Sousa e Associados (o irmão do Presidente da República) onde ouviram, repetidamente: ou assina ou vai para despedimento colectivo. À pergunta porquê, a resposta era a mesma: porque sim.

 Não estamos aqui para nos contar a história da sua vida.

Uma semana para decidir uma vida inteira. À segunda semana: sim ou não. «Não estamos aqui para nos contar a história da sua vida.». Ai não? Então seguimos com o despedimento colectivo. E está impedido de entrar nas instalações. Assim foi. Sexta ao final do dia, recebe-se a comunicação: face ao processo de reestruturação em curso, somos obrigados a despedir. Mas esperem… qual processo de reestruturação?

Pois. Logo aqui está tudo inquinado. Para que se reestruture uma empresa, é necessária a consulta à Comissão de Trabalhadores, a discussão do plano de reestruturação. Não houve. E toda a gente sabia disso. Porque a Comissão de Trabalhadores disse a toda a gente: Ministério do Trabalho, Assembleia da República, Tribunais, ACT. E toda a gente dizia: está tudo bem, não se passa nada, não há ilegalidades. Toda a gente, calma, ressalvemos aqui o PCP e o BE.

É obrigatória a informação por escrito aos delegados sindicais. Foi pedida pelos delegados do Sindicato dos Trabalhadores da Actividade Financeira (CGTP). Não foi dado. Continua tudo bem.

O Sintaf organizou protestos, distribuiu documentos, organizou os trabalhadores, fez plenários. Uma das acções paralizou Lisboa com uma marcha lenta e documentos foram entregues a todas as entidades a denunciar a situação. As entidades já responderam: «na comunicação social lemos que a ACT disse que está tudo bem». Outras não se dignaram a responder. O Ministério do Trabalho respondeu a informar que não informa porque a informação é confidencial. Desculpe?

Retomando. O Novo Banco diz que a Comissão Europeia mandou. O eurodeputado do PCP, João Ferreira perguntou. A Comissão Europeia respondeu: não sabemos de nada disso. Não dissemos a ninguém para despedir ninguém.

E o Ernesto continua a ser Ernesto.

O Ministro do Trabalho vai à Assembleia da República e afirma não saber que o despedimento colectivo já tinha sido efectivado. Mentiu. Mentiu porque na semana anterior o Sintaf tinha estado com o Secretário de Estado do Trabalho e informou que o despedimento colectivo tinha sido efectivado, Mentiu porque toda a documentação estava na DGERT, que é no Ministério do Trabalho.

O Sintaf já tinha até intentado uma acção contra o Ministério do Trabalho. Que continua parada à espera que o Ministério seja citado.

Entretanto a música continua, a ultraviolência não pára: os trabalhadores são impedidos de entrar, a ACT permanece impávida e serena sem abrir a boca, os Ministérios ou não sabem ou mentem ou não facultam informações. Os trabalhadores ficarão sem salário daqui a um mês. E vão à luta.

E, no entanto, a sensação de se estar agrilhoado e preso numa camisa de forças não me sai da mente: um banco que recebe 4.9 mil milhões de euros, que não tem um plano de reestruturação negociado, que comete ilegalidades diárias, que apresenta resultados em Fevereiro que o posicionam em 3º lugar no sistema bancário e em 1º no ramo das seguradoras (sendo certo que a seguradora GNB  Vida também procedeu a um despedimento colectivo), depois de obter carta verde da Segurança Social para rescindir à vontade que terá direito a que a Segurança Social pague os subsídios de desemprego até 2018 (depois de ter rescindido com 1250 trabalhadores, rescindiu com mais de 400) e agora despede cerca de 79, num processo de assédio e terrorismo psicológico sem precedentes – continua a ser Ernesto aos olhos de todas as instituições?