A nova fase da luta política nacional

Nacional

A solução política encontrada em 2015, com um contributo determinante do PCP, permitiu a criação de condições para a entrada em funções de um governo minoritário do PS e abriu caminho a importantes conquistas e reconquistas de direitos que haviam sido esbulhados ao longo de décadas por PS, PSD e CDS. Foi, de facto, a alteração da correlação de forças no quadro parlamentar que colocou as possibilidades de aprovação de medidas progressistas. A presença do PCP obrigou PS e BE a encontrarem também entre si soluções que disputassem um espaço político de esquerda. Uma solução parlamentar como aquela exige um partido comunista altamente preparado para fazer do seu grupo parlamentar a lança institucional da luta de massas.

Contudo, uma solução dessas também cria a sua própria realidade.

Por mais que o PCP e os seus membros se dedicassem à explicação da solução e à desmontagem dos termos utilizados pelo inimigo e até adoptados por PS e BE (que talvez não distem assim tanto do inimigo de classe dos comunistas), a consolidação de um discurso que apontava para um governo de esquerda, uma geringonça, sulcou o seu caminho. Parafraseando Marx, uma ideia torna-se força material quando ganha pelas massas. A existência de um governo tripartido conquistou as massas e enquistou-se no discurso e na percepção públicas. Uma solução que disputou um terreno eleitoral que se identifica como “esquerda” e que foi constituída envolvendo dois dos partidos que têm como um dos seus objectivos inconfessados destruir o PCP – o PS e o BE.

Essa luta foi travada num terreno desigual, num plano institucional, tendo como principal janela a comunicação social. Ao mesmo tempo, a luta dos trabalhadores centrava-se nos locais de trabalho e em questões mais circunscritas da luta de classes, aliviando o Governo que continuava a sangrar a riqueza nacional, a privatizar bancos e a bancar com o dinheiro dos trabalhadores o festim dos príncipes da corrupção e da elite e a aprovar legislação fundamental no âmbito laboral em prejuízo dos trabalhadores. A luta de massas, as ruas, viram-se numa espécie de limbo político que acabou por se traduzir numa concentração da luta política na esfera institucional. De repente, por motivos que nos são uns alheios e outros não, a batalha política estava a ser travada em grande medida no terreno do adversário.

Um partido comunista não tem como objectivo gerir o capitalismo. Não serve para defender programas sociais-democratas, nem para pulverizar e dispersar a luta dos trabalhadores em torno dos diversos engodos que teimam em atirar para o debate e luta política. O momento concreto exige que os partidos comunistas não se limitem a propor o socialismo como solução para todos os problemas no imediato, até porque o socialismo não se decreta, constrói-se. A incorporação da realidade concreta no projecto e programa comunistas é, pois, inevitável. Se não dizemos que a solução para o actual momento político é o socialismo ou o comunismo, não é por não o querermos, mas por sabermos que as transformações que são necessárias operar entre o actual estado capitalista e um estado socialista correspondem a uma fase de desenvolvimento do projecto que não é objectivamente, ainda, o socialismo. Limitar contudo, à valorização dos passos intermédios sem afirmar diariamente o horizonte por que se caminha, é retirar do tabuleiro aquilo que marca as diferenças fundamentais entre os comunistas e os restantes protagonistas da luta.

Claro que nos distingue a forma de estar individual e colectiva na política. Claro que nos distingue o facto de não nos servirmos da política para nos beneficiar. Claro que nos distingue estar presentes nas batalhas do dia a dia dos trabalhadores, que nos distinguem as alvoradas junto aos piquetes, ou sermos os próprios piquetes, claro que nos distingue sermos um partido que vive do seu próprio financiamento militante e não dependente do Estado, claro. Mas acima de tudo, o que nos distingue é sermos portadores de um projecto transformador inesgotável porque depende da força dos trabalhadores, ela mesma inesgotável. O que nos faz distinguir em todos os campos da vida é precisamente o projecto que colectivamente portamos, património de gerações e gerações de combatentes, que afirma como absolutamente necessário o socialismo e como próximo passo para essa concretização a agudização da luta de massas pelo aprofundamento dos direitos dos trabalhadores e da democracia, sem a ilusão de que esse aprofundamento resultará sem conflito ou que seja um fim em si-mesmo.

Há um sem número de argumentos para não votar PCP e CDU. Ouvimo-los todos.

Pagamos com satisfação os custos de todas as posições que assumimos, mas não podemos pagar com satisfação os custos das nossas insuficiências e dificuldades. Ouvimos amigos e camaradas criticar o Partido “porque não me foram lá cobrar quotas”, “porque devia ter feito mais propaganda”, “porque o Partido fez isto mal”, “porque o Partido não me foi a casa chamar para a reunião”, como se o Partido nos fosse externo, um corpo obrigado a superar a nossa própria incapacidade. Como se não tivéssemos a obrigação diária de ter o cuidado de manter a quota em dia – pois que é obrigação do militante pagá-la e não do Partido cobrá-la – como se não estivéssemos estatutariamente comprometidos com o estudo o aprofundamento da teoria e com a melhoria do trabalho colectivo partidário, como se de nós saíssem os deveres e passassem para essa entidade “Partido” quando nós falhamos.

É verdade que temos o direito de dar a nossa opinião pessoal e individual sobre todos os aspectos da orientação do Partido e que temos o direito a participar na opinião geral. Mas é mais do que isso: temos o dever de não negar ao partido o mais precioso contributo que lhes podemos entregar: a nossa vivência, a nossa experiência pessoal e a nossa reflexão própria, permitir que essa reflexão seja caldeada na forja da discussão colectiva franca e aberta até ao apuramento da nossa orientação una e firme.

É verdade que há aspectos menos entusiasmantes da luta: pagar e cobrar quotas, estabelecer metas, cumprir metas, vender o avante, participar em longas reuniões. Nem tudo é tão empolgante como portar a bandeira vermelha na linha da frente da Revolução. Mas é igualmente necessário. É igualmente determinante. Sem esse trabalho, não haverá quem porte uma bandeira vermelha e tampouco revolução.

O que nos distingue na forma é precisamente o nosso conteúdo. A batalha trava-se nos locais de trabalho e não nos de residência porque o local de residência é o campo da luta eleitoral enquanto que o local de trabalho é o campo da luta de classes. Essa forma, de lançar raízes pelo povo adentro, pelas fábricas e empresas, de agitar e elevar a consciência política é a forma que resulta do nosso conteúdo, do nosso mais fundo compromisso: libertar os trabalhadores de qualquer forma de opressão e exploração, com o socialismo e o comunismo. Focar a acção do partido na disputa por ser uma perninha daquilo a que chamam a geringonça e nos resultados eleitorais, além de insuficiente, desfoca-nos da luta mais vasta mas também da mais concreta, que continua a travar-se nos locais de trabalho, mas também no campo ideológico, comunicativo e cultural. Porque os podres do sistema político português aí continuam, porque a exploração aí continua, porque a corrupção aí está, porque a democracia continua a degradar-se. E, se não falta ao PS – principalmente, mas também ao BE e Livre e outros que tais – quem vote por melhorias circunscritas sem alterações de fundo, falta-nos a nós, porque a nossa luta é essa, mas é também outra. A de que ninguém se contente enquanto um único trabalhador for explorado.

8 Comments

  • Zillah Branco

    11 Outubro, 2019 às

    Parabens, Miguel! O manifesto 74 é uma lufada de ar jovem comunista!
    Há problemas que devemos enfrentar e vencer : por exemplo o dogmatismo de muitos que se envergonham porque filhos e netos aderem ao BE que "é mais liberal nos costumes e diz-se de esquerda". Toda a sociedade sofre a pressão da ideologia capitalista consumista e egocêntrica. Valorizemos o direito a ter opinião, ouçamos "o outro" ( como dizia Alvaro Cunhal), e ajudemos o povo todo a compreender que a liberdade deve ser aplicada à luta contra a exploração, não para fazer "shows".

    • Jose

      12 Outubro, 2019 às

      «ideologia capitalista consumista e egocêntrica»

      Ora aí é que eu gostava de perceber qual o contraponto comunista, em particular no consumista (ninguém se contente enquanto um único trabalhador for explorado?).

    • Nunes

      12 Outubro, 2019 às

      A participar num blog comunista, Jose?
      Não vai contra os teus princípios?
      Estarás a ficar vermelho, Jose?

      "Água mole em pedra dura…"

    • JE

      16 Outubro, 2019 às

      Jose oscila entre o não perceber o que é diferente e o contraponto, em particular no consumista

      Tudo isto é idiota?

      É

  • Jose

    11 Outubro, 2019 às

    «Um partido comunista não tem como objectivo gerir o capitalismo»

    A propósito da Constituição, ou de como se justifica que lhes reservem um lugar no quarto dos fundos.

    • Nunes

      11 Outubro, 2019 às

      É assim mesmo, Jose.
      Tu vens comentar a este blog, porque lá no fundo, tu adoras este blog e gostas do comunismo. Se não fosse assim, como é que justificavas a tua presença assídua e constante?

    • JE

      12 Outubro, 2019 às

      Para sossegar as inquietações de jose:

      "«Um partido comunista não tem como objectivo gerir o capitalismo»

      Não tem

    • JE

      12 Outubro, 2019 às

      Para desassossegar jose:

      Não, não fica no quarto dos fundos desejado pelo jose

      Nem no tempo do fascismo, embora se adivinhem aquelas saudades…

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