A Teimosia do PCP

Nacional

Faz hoje anos que Álvaro Cunhal morreu. E faz também anos que muitos prenunciaram (pela 9858748ª vez) a morte do partido que, curiosamente, mais tem crescido nos últimos tempos. E isso, parecendo que não, para muitos constitui um problema. O PCP esteve muitas vezes “para morrer”. Teimosamente, nunca deu essa enorme satisfação à direita portuguesa (PS incluído), muito menos àqueles que no recato de um fascismo mais ou menos contido, anseiam pelo fim do partido político que resiste e luta coerentemente, luta após luta, ano após ano, ao lado do povo e dos trabalhadores portugueses.

Dá sempre jeito olhar para o PCP como “partido de protesto”. Sossega-lhes a alma pensar que o PCP é apenas mera e momentânea escapatória para a insatisfação. Tranquilizam-se com a convicção de que o PCP não passa de um “expediente”, sempre mais ou menos “controlado”, sempre ali para subir e descer uns pontinhos percentuais mas não ao ponto de “incomodar” aqueles que têm feito do país esta grandiloquente oitava maravilha social que está à vista de todos.

É uma forma de autoconvencimento, de ilusão voluntária, de que a sociedade portuguesa está condenada à eterna continuidade e de que, para descanso dos bem instalados, nunca nada vai mudar. Compreende-se. É melhor essa doce ilusão do que admitir que a subida eleitoral do PCP traduz o incremento da consciência de classe, essa coisa “tenebrosa”. É melhor crer na pseudo-efemeridade dos votos, do que crer que eles representam “armas” duradouras nas mãos de gente esmagada. É melhor essa ilusão, do que reconhecer que aqueles que têm sido explorados, mal pagos e enganados, hoje mais do que nunca, entendem que o melhor caminho para si e para o seu país, passa pela verdadeira e revolucionária alternativa ao “situacionismo” que é o programa político do PCP para Portugal.

Pensando bem, talvez tenham alguma razão. Olhemos bem à nossa volta. Olhemos para trás, em jeito de balanço. Com este autêntico paraíso de partidos que cumprem sempre o que prometem, e que só procuram servir o povo e nunca servir-se a si próprios, para quê agora mudar de forma definitiva? Quem neste país não sonhará em militar eternamente nas mesmas fileiras políticas onde outrora figuraram nomes gigantes do mérito e da competência como as de PS ou PSD? Quem é que, por exemplo, nunca sonhou em vestir a mesma “camisola” que Miguel Relvas, Duarte Lima, Dias Loureiro, Armando Vara, Passos Coelho, Paulo Portas, José Sócrates, Santana Lopes, Cavaco Silva e tantos outros? Quem?

Olhemos ainda para as “grandes decisões” políticas e para os “grandes saltos para a modernidade” dados nos últimos 30 anos. Como é que alguém pode vir a concordar com o PCP, que dizia que entrar na CEE significaria vergar o país ao domínio das grandes potências, quando se vê que hoje, graças à veneranda CEE, somos nós próprios uma grande potência económica e financeira tal qual nos tinham prometido? Como é que se pode confiar num partido como o PCP, que dizia que as políticas da CEE significariam a destruição da produção nacional, quando hoje, graças à CEE, temos uma capacidade produtiva de fazer inveja a qualquer Bangladesh deste mundo? Como é que se pode confiar num partido como o PCP, que dizia que a entrada na moeda única inviabilizaria o desenvolvimento, provocaria baixos salários, prejudicaria o bem-estar social e precarizaria as condições de vida, quando hoje, graças à santa moeda única, temos um país onde abunda a justiça social, onde temos salários que estão apenas um poucochinho abaixo dos salários dos alemães (tal como nos tinham prometido…), onde existe um generalizadíssimo “bem-estar social” e condições de vida de tal forma “atractivas” que ninguém precisa de emigrar?

Todos sabemos que, para a direita, o mundo ideal é o mundo que não muda (pudesse ele existir). A sociedade ideal é a sociedade que não se transforma (pudesse isso acontecer). Que é sempre tudo estático, igual, permanente, imutável. Só os votos no PCP é que mudam. Vão ali protestar e já voltam, ao regaço dos do costume. Vivemos e viveremos sempre num mundo de coisas estabelecidas, defenderão eles, julgando os eleitores, os militantes, os que se juntam diariamente ao PCP uns quantos “temporários”, uns quantos “mansos”, “amarrados” e bem seguros no reino dominante do “centrão”. Só que, citando Saramago, quando nos julgarem bem seguros, cercados de bastões e fortalezas, hão-de ruir em estrondo os altos muros… e chegará o dia das surpresas.