A UE, a Hungria e as duas faces da mesma moeda

Nacional

A votação de ontem no Parlamento Europeu, sobre a Hungria, abriu uma nova frente de ataque ao PCP, despoletada pela forma como o voto do PCP é anunciado nas notícias. E, como vícios antigos não se perdem, mesmo apesar do verão passado, dirigentes do Bloco acusam o PCP de estar ao lado dos fascistas. Mas, em boa verdade, o que menos me preocupa são os tiquezinhos dos dirigentes do Bloco. Bem mais grave é a manipulação que fazem e em que embarcam.

Ora vejamos: a argumentação falaciosa é que a votação de ontem no PE não impõe sanções económicas ou políticas à Hungria, abre sim os procedimentos do artigo 7.º do Tratado de Lisboa. E é verdade. Só que este artigo abre os procedimentos dos artigos 7.1 e 7.2, onde surgem as possibilidades de imposição de sanções políticas e económicas à Hungria. Recuando no tempo e recuperando outras votações, se pegarmos naquela que dizia respeito à abertura do espaço aéreo da Líbia, recordemos que para Rui Tavares e para o Bloco, esta não significava uma intervenção militar naquele país. Percebemos, mais tarde, a ingenuidade de alguns. É que foi a sua aprovação que levou ao resultado que todos conhecemos naquele país.

Sanções e bons alunos

As sanções para quem viola os “valores europeus” – por valores entenda-se os interesses da elite franco-alemã – são um princípio consagrado no Tratado de Lisboa. Tratado de Lisboa que restringe a unanimidade até então necessária para a adoção de algumas medidas, reforçando os poderes das nações já poderosas económica e politicamente. Para além de o Artigo 7.º não referir o alcance das sanções que podem ter lugar, não temos de recuar muito no tempo para relembrar os tempos em que também Portugal poderia sofrer um procedimento – sanções económicas na forma de multas e eventuais restrições no acesso a fundos comunitários – por défice excessivo. Nessa altura, da esquerda à direita, todos se manifestaram contra.

O PCP ao lado da extrema-direita!

É tão desonesto como absurdo. Um eleito do Livre na Assembleia Municipal de Lisboa, através da sua conta de Twitter, considera mesmo que o PCP abandonou a luta anti-fascista, certamente conferido pela autoridade moral da famosa lista de tarefas para anti-fascistas elaborada por Rui Tavares, há uns tempos. É tão desonesto, mentiroso e demagogo como dizer que quando Portugal entrou no euro, o PCP era igual ao CDS que, na altura, era também contra a adesão à moeda única. Não é difícil perceber que eram motivos tão diversos como antagónicos que levavam a que PCP e CDS fossem contra. A História demonstra-nos que são a chamada direita moderada e a social-democracia – por muito socialistas que sejam no nome – que andam de mãos dadas com a extrema-direita no agravamento da exploração e das desigualdades.

Legitimidade da UE

Afinal, que legitimidade tem a UE para condenar a Hungria, quando é a própria UE, que está já a entrar em fase de agonia enquanto projeto económico e político falhado, que abre caminho aos novos focos de fascismo que surgem por toda a Europa? Aliás, que os promove, com o Conselho Europeu a adotar medidas apoiadas por Órban relativamente às migrações. Que, com as suas medidas económicas restritivas ao investimento público, escancara as portas às privatizações e empurra para a miséria milhões de trabalhadores que vivem a prazo? Com os ataques aos direitos sociais e às exigências de mais trabalho sem direitos? Na Alemanha, na Hungria, na Polónia, na República Checa, em Itália o apoio ao golpe fascista na Ucrânia, o envio de refugiados para campos de concentração na Turquia? Quando fecha os olhos aos atropelos aos direitos humanos em Espanha, quando mata inocentes na Líbia, na Síria, no Iraque, no Afeganistão, no Iémen, fecha os olhos quando observa a Palestina. Quando, através de sanções, impede o comércio com países soberanos, cujo povo tem o direito a escolher o seu destino? Não era tudo isto que estava em causa neste voto? Era. A hipocrisia de todos aqueles que votaram a favor de um procedimento que abre caminho a sanções que, por omissão do articulado no tratado, podem ser económicas, o que inicia outro ponto.

As políticas de sanções

Apesar de, aparentemente, da esquerda moderno-especulativa à direita depressivo-liberal haver um apoio generalizado às políticas de sanções, que mais não são do que instrumentos de pressão de potências dominantes sobre potências dominadas, no âmbito das Relações Internacionais e diplomáticas está a decorrer um debate sobre o seu real efeito. Pode ler-se no insuspeito Fórum Económico Mundial: “Quer os seus objetivos sejam ou não alcançados, as sanções têm um enorme impacto nos países-alvo: abranda o seu desenvolvimento tecnológico e aumenta a pobreza entre os seus povos. É certo que isto cria um ressentimento popular, mas nem sempre a mudança de regime” é o resultado final”.

Também o Conselho para as Relações Internacionais elabora um artigo onde considera que há três casos de sucesso na imposição de sanções, sendo eles a Libéria, a Líbia e a Jusgoslávia. Sim, leram bem. Um dos casos em que as sanções resultaram foi na Jugoslávia, apontando, no mesmo artigo, o desastre humanitário que foram as sanções impostas ao Iraque e ao Afeganistão. O Peterson Institute for International Economics possui uma lista das sanções aplicadas desde o início do século XX até 2006. A pontuação vai de 1 a 16, sendo 16 o valor mais elevado, ou seja, aquele em que as sanções tiveram o efeito desejado por quem as impôs, incluindo em percentagem do PIB. Analisando apenas o período a partir de 1968, contando assim os últimos 50 anos, podemos concluir algumas coisas interessantes:

Em 50 anos, foram impostas 141 sanções a países.

Dessas 141 sanções, 85 foram impostas unilateralmente pelos EUA, com motivos tão diversos como desestabilizar Allende no Chile, apoiar a UNITA em Angola, na Nicarágua para desestabilizar os sandinistas, em Granada para afetar os simpatizantes comunistas, em Cuba para atacar os comunistas, na Jugoslávia para atacar Milosevic.

Em todas elas, os que mais sofreram foram os povos afetados por este tipo de medidas, que, a cobro de desculpas como o “restabelecimento dos direitos humanos” – uma das justificações que surge amiúde quando se trata de embargos e sanções a países africanos – morreram e morrem aos milhões, todos os anos, devido à guerra económica movida pelas potências dominantes no panorama internacional.

Não contem connosco para apoiar este tipo de chantagem. Porque ninguém garante que quando houver um governo com coragem, por exemplo, para nacionalizar a banca e colocá-la ao serviço dos trabalhadores e não de meia-dúzia de mafiosos, não soframos também sanções por violação do que foi descrito acima como “valores europeus”.

Atualização

Estas imagens são propaganda institucional da UE. Um doce a quem encontrar diferenças entre o que ali está escrito e o que defende Órban na Hungria*:

 

1 Comment

  • muski

    17 Setembro, 2018 às

    As intervenções só eram fixes quando do Pacto de Varsóvia!

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