Álfon: um ano depois, continua preso porque lutou contra as políticas antissociais e anti-trabalhadores

Internacional

Ontem, 17 de Junho, conta-se um ano sobre a prisão de um jovem trabalhador, do Estado Espanhol, de Vallecas. Um ano de uma prisão injusta, sem quaisquer garantias processuais, com alterações de provas e acusações falsas.

Na passagem dos seis meses, deixei aqui ficar um texto que conta as manobras de culpabilização e de mentira da justiça espanhola para prender trabalhadores, activistas, sindicalistas. E convém relembrar que normalmente, não leva muito tempo a que as mesmas práticas se repitam do lado de cá. Por isso mesmo, deixo de novo o texto. Um jovem, já terá 25 anos, encarcerado porque lutou contra as políticas antissociais e anti-trabalhadores. E, essa notícia, não chega cá. Como sempre.

Alfonso Fernández Ortega, 24 anos, jovem trabalhador do bairro madrileno de Vallecas, foi preso a 14 de Novembro de 2012. No mesmo dia em que teve lugar uma greve geral em Portugal, Espanha, Grécia e Itália (parcial), numa acção conjunta dos trabalhadores contra as medidas de agressão e austeridade.

No mesmo dia em que em Portugal polícias agrediam violentamente manifestantes e alguns ficaram desaparecidos várias horas depois de detidos (enquanto regressavam a suas casas), Alfonso, também conhecido como Alfon, era detido, juntamente com a sua namorada, ao saírem de casa para se juntarem a um piquete. A acusação? Explosivos na mochila. Problema: nunca foi provado que algum deles tivesse em posse quaisquer explosivos ou sequer resíduos nas suas roupas, corpos ou casas. Convém saber o que se passou de seguida. Porque, afinal, o estado espanhol não é assim tão longe e não está tão distante em termos ideológicos ou legislativos do estado português (como, aliás, foram exemplo as detenções em Lisboa nesse mesmo dia).

Alfon e a sua namorada estiveram a ser interrogados de duas em duas horas por pessoas encapuzadas, sob constantes ameaças e tentando forçar confissões, não lhes tendo sido permitido (em total violação da lei) o contacto com família ou advogados durante, pelo menos, dois dias.

Alfon permaneceu encarcerado, a título de prisão preventiva, sob o pretexto de «alarme social» – figura inexistente no direito espanhol. Detido sob o regime FIES (Ficheros de Internos de Especial Seguimiento) – normas que determinam o tratamento de dados relativamente a pessoas detidas ou presas, designadamente o controlo total sob as comunicações e mesmo o impedimento destas com terceiros – Alfon ficou impedido de receber e enviar cartas e todos os seus contactos foram vigiados e monitorizados, incluindo as comunicações com o advogado e a família que, nos termos do direito nacional e internacional, são sigilosos.

Perante isto, as mobilizações populares de solidariedade multiplicaram-se: associações de bairro, movimento sindical, amigos e família, organizações sociais, partidos políticos, personalidades e milhares de pessoas exigiram a libertação de Alfon, o cumprimento da lei e a denúncia da corrupção policial e tentativa de incriminação através da falsificação de provas, prática corrente da polícia espanhola.

Durante os dois meses de detenção, até 9 de Janeiro, todos os amigos de Alfon passaram a ser também vigiados e em todas acções de solidariedade, quando a polícia aparecia, o confronto passou a ser latente dadas as contínuas provocações e instigação de tensões pelas forças policiais. Em Junho de 2015 foi conhecida a sentença final: 4 anos de prisão, numa sucessão de audiências com várias contradições nos meios de prova (e sua obtenção), com a violação grosseira de direitos fundamentais (direito a comunicar sigilosamente com advogado e família, ameaças pessoais, acosso, vigilância de todas as comunicações, entre tantas outras), enfim, uma sentença injusta e, muito provavelmente, tão ilegal quanto infundamentada.

E agora, Espanha?

Talvez não seja despiciendo perguntar: e agora, Portugal?
A ley mordaza, que determina a proibição de manifestações junto dos órgãos de soberania, bem como a utilização de lenços ou máscaras para tapar as caras (curiosamente as forças policiais permanecem sempre sem identificação), determina ainda a fichagem de pessoas com actividades políticas e/ou sociais e a monitorização do seu activismo, numa perigosa afronta aos mais básicos direitos humanos, não está longe de algumas práticas em Portugal, que, a não serem devidamente combatidas, poderão tornar-se lei.

Aqui também existem detenções e identificações policiais aleatórias (como foi o exemplo de pessoas identificadas por entregarem um abaixo assinado com mais de 300 mil assinaturas na residência do então primeiro ministro Sócrates, as identificações de pessoas de nacionalidade diferente nos transportes públicos, a constante intervenção ilegal e de coacção sobre os piquetes de greve, a identificação de manifestantes, prática de vigilância constante, acosso, intimidação sobre os habitantes dos bairros periféricos, …), violência policial (como foi o caso da tortura na esquadra de Alfragide a 5 jovens do Bairro da Cova da Moura), fichagem de activistas (como são exemplo as normas técnicas do direito de reunião e manifestação que obrigam os polícias a registar todas as palavras de ordem, as faixas utilizadas, os «habitués» presentes e a identificação dos «responsáveis» pelas manifestações), julgamentos que roçam a ilegalidade e a perseguição política (como são os julgamentos por manifestações nas galerias do parlamento que em nenhum caso, até hoje, interromperam quaisquer trabalhos e que são, tão só, a manifestação do direito fundamental à liberdade de expressão), entre tantos outros exemplos que não terminam nem terminarão aqui.

A verdade é que na origem destes procedimentos intimidatórios e persecutórios está uma causa antiga e simples: a luta de classes.
Os perseguidos e vigiados não são os banqueiros, não são os grandes corruptores, não são os poderosos: são os trabalhadores e o povo, particularmente quando organizados nos seus sindicatos, nas suas associações, no seu partido de classe.
E muitos dos que lêem estas palavras provavelmente já passaram por um qualquer processo judicial, identificação policial, intimidação, ou qualquer outro exemplo da prática de dissuasão coerciva da luta e da transformação social.

O problema das liberdades democráticas que estão a ser progressivamente cerceadas sempre a pretexto de uma suposta segurança não é um problema óbvio ou simples de entender. Muito menos de debater. Mas as consequências práticas são visíveis e aterradoras: em nome da segurança, em Paris proibiram-se manifestações e foram presos activistas ambientais que se pronunciaram contra a cimeira que ali decorria. Na Dinamarca discute-se uma lei que permite o confisco de bens a refugiados para que paguem a sua «estadia». Na Hungria levantam-se muros de arame farpado e autoriza-se o assassinato de pessoas que procurem asilo. E as pessoas vão, «voluntariamente», cedendo as suas liberdades em nome de uma suposta segurança.

Voltando a Alfon, a imprensa portuguesa não escreveu uma linha. Nada se diz sobre os constantes abusos policiais no estado espanhol. Nada se lê sobre as torturas dos independentistas, nada se vê sobre as cargas policiais protegidas pela ley mordaza, nada se escreve sobre a mobilização popular no bairro Gamonal em Burgos, nada se vê sobre a luta dos trabalhadores da Coca-Cola em Fuenlabrada (que quer despedir centenas de trabalhadores), sobre a luta dos bombeiros florestais, sobre a perseguição aos imigrantes africanos nas grandes cidades espanholas, etc. Lá, como cá, as lutas prosseguem e adensam-se e nada se vê na comunicação social.

O caso de Alfon é paradigmático na demonstração da deriva europeia de tentativa de criminalização (veja-se a ilegalização do Partido Comunista da Ucrânia) de todas as organizações políticas ou populares progressistas e da criação de ficheiros individuais sobre as pessoas envolvidas no combate sindical, operário, popular ou social.

A Europa aproxima-se novamente de um perigoso estado-polícia que deu origem aos maiores horrores já vividos pela humanidade, enquanto os exemplos concretos, como o de Alfon, são escondidos.

Ontem, como hoje, continua a ser o poder financeiro a determinar as liberdades individuais e colectivas dos povos, quer através da manipulação política com a reciclagem sistémica de governos burgueses que perpetuam as políticas austeritárias e autoritárias.

Passam agora 6 meses sobre a prisão de Alfon, a 17 de Junho. Exigir a liberdade de Alfon é defender a liberdade de cada um de nós. A liberdade dos trabalhadores e das camadas populares, a liberdade de transformar a sociedade.

Que ninguém fique indiferente