Análise eleitoral: o Estado espanhol rompe com o bipartidarismo

Nacional

As eleições gerais no Estado espanhol ditaram, este domingo, o fim da hegemonia eleitoral do PSOE e PP. À custa de uma extraordinária pulverização do sistema partidário, entraram no congresso 13 candidaturas, das quais se destacam os fenómenos Podemos e Ciudadanos.

Descaradamente promovidos pela comunicação social da classe dominante, estes dois partidos vêm assumir a herança ideológica dos seus padrastos políticos: Ciudadanos que alcança 40 mandatos, opera à direita a recomposição possível do PP, o grande castigado do escrutínio, com menos 63 eleitos; já o Podemos permite, aliás à semelhança do binómio grego PASOK-Syriza, esvaziar em segurança o desprestigiado e desgastado eleitorado do PSOE.

É certo que somados, PP e PSOE não chegam aos 50% dos votos, mas a relevância política desta epifania é órfã de tradução partidária. É disso exemplo as sistemáticas cedências à direita protagonizadas pelo partido de Pablo Iglesias são disso exemplo: em menos de um ano, o Podemos deixou cair a saída do Euro e da NATO, mudou de opinião sobre o não pagamento da dívida, desistiu da nacionalização da eletricidade, da banca e das telecomunicações, abandonou o projecto da reforma aos 60 anos e passou a «reconhecer a utilidade» das empresas de trabalho temporário.

À esquerda, o grande derrotado é a Esquerda Unida – Unidade Popular, candidatura onde se insere o Partido Comunista de Espanha. Em relação a 2011, a IU, que concorre ainda inserida em várias coligações de âmbito regional, perde metade dos votos e só tangencialmente assegura uma representação parlamentar de dois mandatos, muito atrás dos cinco exigidos pela lei eleitoral para a formação de um grupo parlamentar.

Não escamoteando os erros e contradições já assumidos pela IU, é justo apontar que esta formação foi, entre todas as formações com assento parlamentar, a mais penalizada pelo método d’Hondt: para eleger cada um dos deputados da IU precisou de 454 012 votos enquanto ao PP bastaram 59 697 votos por mandato. Feitas as contas, há cinco partidos políticos que, com menos votos que a IU, conseguem eleger mais deputados.

Ainda à esquerda, merece destaque o crescimento de mais de 4000 votos registado pelo PCPE (Partido Comunista dos Povos de Espanha) que, malgrado muito aquém da representação parlamentar, afirma-se, no panorama estatal, como uma das poucas forças políticas consequentes.

Jogos de pactos

Ao contrário do que se verifica na câmara alta, onde o PP mantém a maioria absoluta de senadores e conserva o poder de impor bloqueios legislativos e controlar eventuais reformas constitucionais, o congresso saído destas eleições augura um cenário prolongado de instabilidade institucional que só pode ser ultrapassado a três, quatro, ou cinco partes.

Sendo, para já, implausível que PSOE e PP consigam fechar um pacto de governo e, por outro lado, considerando que PP e Ciudadanos não bastam para reunir os 176 mandatos que poderiam sustentar uma maioria absoluta, o próximo governo de Espanha dependerá do que fizer o Podemos e os inúmeros partidos independentistas, soberanistas e nacionalistas catalães, galegos e bascos.

O busílis da questão não é tanto a distância entre o Podemos e o PSOE mas, principalmente, as distâncias que estas duas forças estão dispostas a ceder às aspirações de independência das nacionalidades histórica. PSOE e Podemos não conseguem garantir sozinhos a maioria absoluta, pelo que dependeriam de acordos com galegos, bascos e catalães. Neste aspecto, a postura negacionista do PSOE perante o direito de autodeterminação dos povos do Estado espanhol e, por outro lado, a tradição independentista, pouco atreita a colaborar com o regime espanhol, auguram vida curta à XI legislatura da monarquia parlamentar espanhola.

O PSOE surge, assim, numa encruzilhada. Com uma alta probabilidade de conseguir garantir a presidência da câmara baixa, o partido liderado por Pedro Sánchez deve assumir, a curto prazo, opções políticas inéditas para evitar o destino do congénere grego. Ceder a um pacto com PP e Ciudadanos para manter as mesmas políticas, desrespeitando a vontade dos eleitores, significa enviar aquela estrutura partidária num caminho eleitoral de não retorno. Inversamente, embarcar numa dança com o Podemos é um jogo igualmente perigoso para os socialistas: à medida que se consuma a viragem à direita do partido de Iglesias maior será a competição pelo eleitorado do PSOE, colocando em causa acordos municipais como o de Madrid.

A nível estatal, sai destas eleições um cenário de desagregação dos partidos tradicionais do grande capital, que procura no Podemos e no Ciudadanos uma nova formulação partidária e eleitoral. A subsequente instabilidade institucional surge assim como o quociente de uma crise do capitalismo que, no caso espanhol vem alargando fracturas nacionais e sociais, sem que os problemas políticos se espelhem em problemas partidários e eleitorais.

Carrega aqui para continuar a ler a análise das eleições ao nível das regiões e nações sem Estado.