O SMN, a TSU e a “visão de futuro” dos patrões para um novo século XIX

Nacional

Nuno Carvalho, sócio-gerente da marca Padaria Portuguesa, falou à SIC Notícias sobre a questão do aumento do Salário Mínimo Nacional (SMN) e a eventual descida da TSU. Aquilo que disse já foi motivo de grande alvoroço público, coisa que me espanta na medida em que o “empreendedor” entrevistado não refere nada que não tenha sido dito por outros seus compadres antes e seguramente depois da sua muito comentada intervenção pública.

O que me parece particularmente interessante é o facto de Nuno Carvalho não se ter referido à questão do aumento do SMN, preferindo deter-se noutras matérias que quem acompanha os processos de negociação sabe que são aquelas verdadeiramente relevantes para uma fatia importante dos patrões: a flexibilização da legislação laboral, nomeadamente ao nível da precarização das formas de contratação, liberalização dos despedimentos e desregulação dos horários de trabalho. Sempre acenando com a cenoura na ponta da cana: a ideia de que mais “flexibilidade” (leia-se precariedade) promove mais produtividade e “permite aos colaboradores ganharem mais dinheiro à medida que os negócios evoluam”. A Padaria Portuguesa, que hoje tem uma loja em cada esquina da cidade de Lisboa, é bem a prova de que as coisas não funcionam assim; e os casos em que relações laborais precárias e melhor distribuição de rendimentos se compatibilizam são quanto muito raríssimas excepções que confirmam a regra oposta.

De resto é hoje sabido que ao contrário do que afirma o patronato (e os seus braços políticos nas instituições), salários baixos e precariedade prejudicam a produtividade. Quem o afirma não são radicais comunistas, “inimigos das empresas”, mas gente tão insuspeita como Sandra Polaski, que representou o secretário de estado norte-americano para o mercado laboral internacional. Segundo a senhora Polaski (citada em artigo do The Guardian, traduzido e publicado na edição de Novembro da revista Courrier Internacional) “as pessoas sabem que não estão a receber um salário justo e muitos têm contratos a prazo, pelo que não há motivação para melhorar a produtividade”.

De resto, relações de trabalho precárias inibem as organizações de investirem nos seus trabalhadores (aka “colaboradores”), o que prejudica a sua qualificação – dos trabalhadores e das organizações – com evidentes consequências ao nível da sua produtividade. Também favorecem um elevado nível de “rotatividade” não desejada pelas empresas (porque a desejada é outra conversa completamente diferente…) com custos que não são desprezíveis a vários níveis que não apenas o financeiro.

A questão da produtividade, que é extremamente complexa e que envolve uma série de aspectos das organizações das empresas que não se limita ao trabalho das equipas e dos trabalhadores, tem sido muito estudada ao longo do tempo, e os estudos que sobre o assunto têm sido realizados – por vezes contraditórios entre si – revelam pelo menos que a relação entre salários e produtividade é bem mais complexa do que aquela que no discurso mediático predomina sempre que actualizações salariais são discutidas. E há uma percepção cada vez mais forte sobre a relação existente entre relações laborais estáveis, salários dignos e níveis de produtividade mais elevados.

Naturalmente que o patronato não ignora que trabalhadores sujeitos a vínculos precários – ou a formas de precariedade raramente consideradas dentro desse mesmo conceito, como aquela que se refere à organização dos horários e tempos de trabalho – não estão em condições ideais relativamente ao desempenho das suas tarefas e funções no seio da organização. Não ignoram a existência de uma relação forte entre precariedade e riscos laborais, como bem recordou a CGTP quando afirmou que “apesar de cientificamente comprovada a influência das condições de trabalho e, em especial, da organização do trabalho sobre a saúde física e mental dos trabalhadores, esta é uma matéria que tem estado maioritariamente afastada das preocupações oficiais relativas à prevenção dos riscos profissionais e à segurança e saúde no trabalho“. No entanto, no panorama mediático nacional é quase sempre o discurso inverso que surge como o mais “sensato” e “equilibrado”, em claro proveito das posições patronais.

No caso português é particularmente evidente a contradição entre flexibilização das leis laborais e melhores indicadores ao nível da produtividade, do emprego e da sua qualidade. Ou entre produtividade e horários de trabalho, já que somos um dos países da União Europeia onde mais horas se trabalha sem que esse tempo absolutamente arcaico de horas passadas nas empresas se transforme em ganhos de produtividade evidentes face a países com cargas horárias bem mais reduzidas.

O que Nuno Carvalho e outros tantos “empreendedores” pretendem não é na verdade nada de novo, nada que dê resposta a “uma visão de futuro” relativamente às relações laborais. A realidade confronta-o todos os dias e os trabalhadores d’A Padaria Portuguesa poderão fazer o mesmo, mais cedo que tarde.