Cem metros e uma escadaria

Nacional

O pretexto suficiente para desencadear um «debate» em torno do direito de manifestação. Debate em relação ao qual muitos se mostraram indiferentes enquanto militantes da JCP, do PCP, dirigentes e delegados sindicais da CGTP enfrentaram e enfrentam identificações, inquéritos, julgamentos e absolvições.

Debate em torno do qual muitos escorregaram na armadilha ardilosa de Miguel Macedo de colocar uns contra os outros, à imagem dos seus comparsas do gangue ministerial – professores contra pais, trabalhadores do sector privado contra os trabalhadores da Administração Pública, trabalhadores dos transportes contra os utentes, enfermeiros contra médicos, polícias contra «civis».

Foram dias de um esbanjar de adjectivos incorrendo no mesmíssimo direito que se dizia defender: o direito de qualquer cidadão se manifestar sem quaisquer impedimentos ou restrições.

Como se os polícias, antes de o serem não fossem seres humanos, como se o seu salário não fosse cortado, como se o seu trabalho não estivesse fortemente degradado por via da política de garrote mesmo quando se tenta impor o aparelho repressivo como único aparelho do Estado.

Gritava-se demissão, naquela quinta-feira, 21. Gritava-se governo rua.

Como hoje. De manhã.

Como a 29 de Setembro de 2012, a caminho do Terreiro do Paço, pelo meio da manifestação convocada pela CGTP se gritou e se aplaudiu à passagem dos manifestantes que também são polícias.

Cem metros e uma escadaria.

Clarificaram a posição de Macedo: «não voltará a acontecer». «A situação é muito grave». Demite-se o Director Nacional, empossa-se um outro. Macedo começa a derrapar e apenas já só fala do prestígio das forças de segurança. Talvez tenha percebido o sinal: cem metros e uma escadaria não páram ninguém porque nunca foram o objectivo dos trabalhadores.

«Não voltará a acontecer». O PS, pede que rolem cabeças na «situação muito grave» em que é preciso «apurar os responsáveis». O CDS, claro, ofende-se. O que é isto? As forças do aparelho repressivo têm consciência de classe?

«O comportamento deveria ser outro». Ex-Ministros quase imploram intervenções musculadas. Cargas sobre todos aqueles que o Governo ataca todos os dias. A quem o Governo nega o exercício dos direitos fundamentais. A quem o Governo condena a sofrimento e morte porque o dinheiro não chega para a medicação e os tratamentos. A quem o Governo condena ao exílio porque não há trabalho. A quem o Governo condena à pobreza porque rouba nos salários.

Macedo quer mudar a lei. Quer impedir manifestações. Quer dividir os trabalhadores. Quer impedir que as paredes tenham as palavras de luta. Quer impedir que o povo se acerque dos espaços que são públicos e ao povo pertencem. Macedo quer ficar no poder.

Cem metros e uma escadaria.

Macedo e o gangue têm medo. Perceberam que é possível serem derrubados. E que este é um objectivo que une trabalhadores e populações. E que há quem esteja a perder o medo. E que a luta não vai parar. E que a lei não está do lado do governo. E que o povo também não.

E quando o povo acorda, «é sempre cedo».