Uma questão de agendas

Nacional

Sua excelência o ex-ministro irrevogavelmente demissionário abriu a boca para falar sobre a luta dos trabalhadores e o que saiu foi o costume… Por entre provocações várias, o ás da dissimulação referiu que “cada um tema a sua agenda“. Li e olhei logo para a minha, comprada na papelaria da esquina por 5 euros, mais do que gasto para almoçar todos os dias, que comida trago-a de casa embrulhada em jornais para aguentar o calor até à pausa das 13h00.

Portas também tem a sua agenda, naturalmente. Mas não é de papel, como a minha: é grande e cheia de interesses dentro, incluindo de alguns exportadores (e aqui recordo que Portas referiu, também a propósito da luta dos trabalhadores, que “uns dedicam-se às exportações e outros a manifestarem-se“), como aqueles que exportam capitais para a Holanda, a bem da nação, claro.

Seja como for é bom que Portas sinta necessidade de vir provocar quem de barriga vazia lembra nas ruas que a democracia não é um exclusivo dos espaços de representação de eleitores, aliás dominados por aqueles que de barriga cheia, arrotando enfartados, decidem com suprema hipocrisia em favor da minoria do costume. Portas já sente, e se calhar até já o marcou na “agenda”, a aproximação do dia em que arrumará de novos os seus pertences e, com ou sem 61 mil fotocópias na algibeira, será forçado a abandonar as funções que desgraçadamente ocupa.

O governo mostra sinais de grande nervosismo, sentindo por um lado a irreversível e fortíssima erosão da sua base social de apoio, e por outro lado a aproximação do fim do período durante o qual desenvolveu uma sem precedentes actividade de destruição criativa (“rebentou com tudo“) – económica, social, política e cultural – e que apenas deixará saudades nos gabinetes mais altos dos luxuosos edifícios dos grupos financeiros nacionais e internacionais. Sempre foi essa a sua “agenda”, como bem sabe Portas e a trupe de ex-funcionários e dirigentes de grandes grupos financeiros agora empossados para o exercício de funções executivas no governo de Portugal.

Há uns meses atrás gritávamos, demasiado optimistas, “mais um empurrão e o governo vai ao chão”. Não aconteceu, como bem sabemos, não obstante ter abanado como nunca antes, com as saídas de Relvas, Santos Pereira e sobretudo Gaspar, o “número dois” de Passos Coelho. A luta dos trabalhadores teve em todo este processo um lugar determinante, digam o que disserem os comentadores avençados do sistema.

Acontece porém que é hoje absolutamente evidente, para uma maioria óbvia dos portugueses, que aquilo que na acção deste governo aparenta ser uma “incapacidade para resolver os problemas do país” é na verdade uma reconhecida capacidade para defender interesses privados, uma “agenda”.

O que foram (e são) as privatizações de importantes e rentáveis empresas públicas senão a entrega a privados de apetecíveis negócios que doravante terão o interesse dos accionistas como elemento determinante da sua estratégia e acção empresarial? O que foram (e são) todas as medidas de desvalorização salarial, desregulamentação laboral e destruição da contratação colectiva senão despudoradas formas de aumentar a exploração de quem trabalha em favor do factor capital? O que foi (e é) a utilização de dinheiros públicos e o aproveitamento dos frutos do saque fiscal aos trabalhadores (activos, desempregados ou reformados/aposentados) em favor do sector financeiro senão a nacionalização dos seus prejuízos por oposição à manutenção nas mãos dos privados dos mais apetecíveis activos nas mãos das famílias que ainda dominam o país, à moda do 24 de Abril? O que foi (e é) o processo de destruição das funções sociais do Estado senão a criação de oportunidades de negócio nas áreas da saúde, da educação, da segurança e da protecção social, da justiça e da administração para quem tem a influência e o capital suficiente para abocanhar aquilo que deveria ser gerido em nome de todos e no interesse de todos?

Sim, cada um tem a sua agenda. A do governo é óbvia. Mas… e a tua?