Da inevitabilidade abstencionista *ou um ensaio sobre o abstentor

Nacional

Dos radicais aos abstencionistas, aos anarcas comunistas, anarco-sindicalistas, debordistas, situacionistas, bakuninistas, proudhonionistas, anti-troikistas e outros istas para os quais ainda não foi inventada um gaveta para que sejam engavetados da forma como engavetam os partidaristas, e, no caso que me interessa, os comunistas (não, estes não estão em itálico porque é mesmo o que nós – eu – somos) tenho vindo a ler os testemunhos prestidigitadores na blogosfera (ainda se usa esta palavra?) com odes à abstenção/reflexão/discussão.

Da inevitabilidade como categoria, coloca-se tudo ao mesmo nível: por ser inevitável, porque se é contra a troika, vota-se nos istas de esquerda, porque se é a favor do retorno aos mercados (talvez só a mim isto me pareça um título genial de uma epopeia dividida em três partes, que depois são mais três, que afinal são anteriores às três primeiras) vota-se noutros istas quaisquer. Do abstencionismo como filosofia fazem-se boletins de voto que sublimam a capacidade visionária e revolucionária do abstentor que categoriza todos os istas em quem se pode votar com epítetos básicos e fáceis.

Tudo isto partindo da superioridade moral de quem observa e está descontente com este sistema, na convicção de que as eleições para nada ou de pouco servem. Também entre estes há diferenças (sobre as quais não me apetece discorrer) mas que são fundamentais. Uns fazem-no com honestidade (intelectual e política), outros não. Mas ambos assumem algum (ou muito) preconceito face ao votante: partem da sua suposta ignorância política e explicam-lhe, cansativamente, por que é que não vale a pena votar.

Tais explicações decorrem, pois, da sua necessidade de contestação política e ideológica, do seu pensamento que, por várias circunstâncias objectivas se distancia de uma análise ligada às massas, porque particularmente férteis ao individualismo e às concepções revolucionárias da burguesia. Muitas vezes, conta a história, estes revolucionários acabaram por fazer, tão só, o jogo da reacção (vejamos a 1ª Internacional, os companheiros de bakunine, a mútua bancária de Proudhon, o Maio de 68 e os gaullistas – e onde anda agora Cohn-Bendit) e com ela se percebem idênticas movimentações e o seu destino.

Interessa-me, sobretudo, a forma como se olha o votante, como ser amorfo e totalmente condicionado que vota, mecanicamente reproduzindo algo que é inevitável. Se uns entendem que há necessidade de mais discussão e reflexão para encontrar um outro sistema político (de acordo), outros entendem que o que é necessário é partir montras da Boss e exigir que a Segurança Social empreste dinheiro aos trabalhadores para estes comprarem casa (aaaah…o sacrossanto direito de propriedade!). Não obstante, fazem-no sempre olhando de cima (outra vez, a superioridade moral). São muito distintos na sua origem e concepção das coisas, mas defendem a mesma solução.

Desconhecem, todavia, o quotidiano. Ou ignoram-no deliberadamente, não sei. Agora falo apenas do PCP: o contacto diário nos locais de trabalho, os operários (ui!) comunistas, os comunistas que são membros de sindicatos e se embatem, diariamente, com o patronato, as acções nas escolas, nos serviços públicos, a participação no movimento associativo e popular, nas cooperativas de produção e consumo. A presença nas assembleias de freguesia e municipais onde se discute o buraco na estrada, os semáforos, a biblioteca da Penha de França, a casa mortuária de Santa Maria da Feira, a linha do Oeste, as CPCJ do Porto, o elevado número de pessoas em Matosinhos que recebem o rendimento social de inserção, o encerramento de cinemas por todo o país. Na Assembleia da República e no Parlamento Europeu onde as estatísticas (estas são de fiar – correspondem directamente ao trabalho de cada um dos eleitos) revelam bem o trabalho que é feito. Esquecem-se ou ignoram que em cada um dos órgãos, os militantes comunistas não recebem senhas de presença e recebem o seu salário de origem (contrariamente a todos os outros) porque o mandato público lhes é transmitido por pessoas que acreditam nas suas propostas e não nos indivíduos e porque os comunistas não encaram esta tarefa como um emprego mas como a representação popular (não interessa porque é no sistema? Então e não estamos no sistema todos os dias em tudo o que fazemos?).

Esquecem-se ou ignoram que os comunistas não são eleitos para tornar as instituições mais fofinhas, mais aceitáveis – recusamos este sistema e queremos derrubá-lo e transformar a sociedade.

Esquecem-se ou ignoram que a discussão e a reflexão se faz diariamente desde a conversa sobre o contribuinte nas facturas, sobre o preço dos transportes até aos meios de transformação da sociedade. E também se faz na imprensa partidária, no Avante, n’O Militante, nos Cadernos Vermelhos, nos livros das Edições Avante.

Esquecem-se ou ignoram que os comunistas e os que não são, pensam e analisam a realidade, de formas diferentes e escolhem. Tão legitimamente como quem decide abster-se e contribuir para que as maiorias ganhem e assim ganhe a repressão e opressão («como o esquerdismo faz o jogo da reacção»).

Esquecem-se que os comunistas debatem, pensam, reflectem, intervêm todos os dias e não 12 dias de campanha eleitoral. Fazem-no dentro e fora da internet, sem pruridos de contestar mesmo os que decidem atacá-los e que são «de esquerda». Porque o que interessa não é uma «união das esquerdas», seja lá o que isso for, mas propostas e soluções consequentes para as pessoas.

Posto isto, no dia 25 façam o que entenderem, como bem entenderem, quando entenderem mas tenham a gentileza de deixar os maternalismos à parte. Sobretudo, tomem parte. Ou partido.