Dar guarida aos carrascos

Nacional

Já não há palavras para descrever a prestação de Assunção Esteves enquanto presidente da Assembleia da República. Nunca ninguém que tenha presidido àquela magna casa se mostrara tão desastrado e tão “barulhento” numa posição que exigiria recato, prudência, sentido de responsabilidade e salvaguarda dos mais elementares princípios éticos. Poderíamos falar apenas das declarações inacreditáveis dos “inconseguimentos frustracionais”, ou até da sua moderação parlamentar trapalhona, equívoca (basta ver os debates), muitas vezes “salva” pela competência dos coadjuvantes, de resto tudo semi-escondido atrás de rasgados sorrisos atirados à força às bancadas parlamentares. Mas é no seu debilitado sentido institucional, na falta de consciência histórica, que muitas vezes se revela a sua inabilidade extrema para as funções elevadas que desempenha.

O lugar do fascismo é nos livros. E mesmo nestes, só porque existiu.

Por sugestão de uma autarquia PS, Assunção Esteves autorizou uma exposição no parlamento de bustos de antigos Presidentes da República. Diga-se, desde já, que uma exposição na ‘casa da democracia’ não é só uma exposição; é uma homenagem. Ora, a dita exposição inclui os não eleitos, os políticos servis do regime fascista, Américo Tomás e outros, figuras indignas de serem homenageadas naquela que continua a ser, apesar de tudo, a casa da democracia.

O lugar do fascismo é nos livros. E mesmo nestes, só porque existiu. Em nenhum momento de uma sociedade que se queira democrática, muito menos num edifício público com a importância simbólica e significado histórico que a Assembleia da República conserva, deve haver lugar para quaisquer homenagens – implícitas, explícitas ou sequer “aproximadas” – a homens que serviram propósitos hediondos de discriminação, segregação, e que assentiram o despotismo do governo, a recorrência a métodos persecutórios e de tortura face a tudo o que se lhes opusesse, a miséria, a desgraça social, o analfabetismo, a guerra e a morte. É tudo isto que alguns destes bustos expressam, a mensagem que deles emana.

De forma lamentável, mas não pouco previsível, Assunção Esteves terá certamente aberto aquele seu longo e brilhante sorriso à proposta “gira” de expor nos salões esse “enfeite catita”, essa iniciativa “bela”, da exposição de bustos. Mas bustos que mostram alguns dos principais responsáveis pelo período mais negro da história recente do nosso país. Consentiu, mas não devia ter consentido. Fazendo-o, insultou Abril e a democracia. Desrespeitou as vítimas. Deu guarida aos «carrascos».