Das contradições de um Tribunal Constitucional, mas pouco

Nacional

O ataque cerrado ao TC por parte das forças da extrema-direita parlamentar e das forças económicas que ocupam o nosso país são, curiosamente, desprovidas até de qualquer sentido prático.

Na verdade, e como ouvi o Professor Reis Novais afirmar (alto e bom som) no Prós e Prós: então e a decisão que «decidiu» (olha o pleonasmo, Lúcia!) declarar inconstitucionais os cortes dos subsídios de férias e de natal mas permitiram a sua vigência e produção de efeitos apenas só no ano seguinte (o que até acabou por não acontecer, foram roubados por outra via, que o gangue ministerial não dorme)? Então e as decisões reiteradas que admitem a irredutibilidade dos salários? Então e as decisões que permitem os sucessivos cortes nas pensões e a contribuição extraordinária de solidariedade? E as decisões que permitem a prevalência de normas sobre a contratação colectiva?

Verdade seja dita: a politização na nomeação deste TC deixa-o vulnerável à manipulação política da fundamentação das suas decisões. A Constituição, essa, vai sendo lida conforme o PS e o PSD que nomeiam são mais ou menos à direita.

Com todo o respeito que é devido ao TC, a defesa primordial é uma: a da Constituição. E nesse particular, o TC não tem sido grande nem perigoso activista.

É que, sobre as quarenta horas, tanto reconhece simultaneamente que a lei viola o direito ao repouso e aos lazeres, à liberdade criação e fruição cultural, ao direito de desenvolvimento da personalidade, à liberdade de aprender e ensinar, à liberdade religiosa, à liberdade de associação mas declara-a constitucional.

Afirma não existir redução do salário por este permanecer o mesmo (sem cuidar de considerar mais cinco horas por semana, não pagas, ou conjugar esta lei com os cortes salariais previstos no OE 2014). Afirma que a redução salarial se verifica nas horas extraordinárias, mas não existe inconstitucionalidade por estas se terem tornado período normal de trabalho. Não pago, contudo.

É, é isto mesmo. Uma grande confusão.

A parte mais interessante dos Acórdãos do TC são, sem dúvida, as declarações de voto. Costumam até denotar um maior rigor na fundamentação. E nestas, é inequívoca a opinião de muitos dos juízes sobre a violação do direito à contratação colectiva pela via da imposição da imperatividade da lei sobre esta. Imposição moderada, porque o Tribunal, contrariamente à letra da lei, decidiu dar-lhe uma outra interpretação, a de que para futuro, não é imperativa. Mas permite que a norma esteja em vigor, dizendo o contrário.

«A decisão interpretativa de rejeição está totalmente desprovida de eficácia vinculativa geral e, ao permitir a subsistência no ordenamento jurídico de leis ambíguas, configura-se como um instrumento inadequado à garantia de uma protecção efectiva da Constituição.». (Por Jorge Miranda e Rui Medeiros, na CRP Anotada, III, Coimbra, 2007, p. 854)

Em suma: esta decisão apenas permitiu que uma lei inconstitucional assim permanecesse no ordenamento jurídico. E as entidades empregadoras públicas farão dela o que entenderem.

Cabe, pois, aos trabalhadores lutar contra a sua aplicação. Nas empresas e na rua, a luta, a luta continua.