“É matar os radicais”, disse o moderado!

Nacional

Mas quando nos julgarem bem seguros, Cercados de bastões e fortalezas, Hão-de ruir em estrondo os altos muros, E chegará o dia das surpresas*

Nos últimos dias assistimos sem surpresa a uma escalada de “alertas” sobre a possibilidade da chegada ao poder de uns “perigosos partidos extremistas e radicais”. O PCP, esse partido até aqui elogiado pela direita por organizar manifestações “com todo o respeito pelas regras democráticas”, passou rapidamente a partido “da desordem”, do “caos”, do velho e regressado “papão” que não tem um programa “suficientemente aceitável” para governar o nosso país. Contudo, antes que os comunistas chegassem hipoteticamente ao poder, bastou esperar pelo início da noite de ontem para ver efectivamente o radicalismo e o extremismo tomarem conta – uma vez mais – da cena política nacional, e pela voz do próprio Presidente da República. “É matar os radicais”, lá disse o moderado!

A hierarquia das prioridades do presidente ficou clara: em primeiro lugar a NATO, em igual plano a União Europeia e a seguir os partidos, mas só os “bons”. Nem soberania ou independência, nem democracia, muito menos povo.

Depois de tantas semanas de alusões iradas ao comunismo e ao PREC, às pseudo-ditaduras, aos medos e às guerras infernais que povoam os preconceitos e a cartilha néscia dos ignorantes, a direita acabou por ter direito a um discurso parcial e ideologicamente comprometido feito à sua medida. A hierarquia das prioridades do presidente ficou clara: em primeiro lugar a NATO, em igual plano a União Europeia e a seguir os partidos, mas só os “bons”. Nem soberania ou independência, nem democracia, muito menos povo. Primeiro os grandes interesses, primeiro a beligerância imperialista e capitalista, e depois os partidos que lhes são e serão fiéis. O povo há-de ser sempre manso e subordinado, crêem eles, como tem sido até aqui. Cavaco só não propôs já a ilegalização do PCP e BE porque pareceria muito mal, seria demasiado escandaloso. Mas tudo no seu pensamento e na sua retórica aponta para esse desejo íntimo, essa vontade oculta, esse objectivo contido há décadas, de afastar de vez esse “incómodo” dos comunistas em Portugal. Nem o aparelho repressivo e persecutório de Salazar cumpriu essa “tarefa”, quanto mais agora um minguado, fraco e passageiro presidente eleito no fundo pelos resquícios do antigamente.

É importante que se perceba que esta gente – esta direita institucional, esta direita do poder, estes tipos que foram e são eleitos pelo PSD e pelo CDS – é gente que já não se mede nem mede as consequências do que diz. Esta gente – é esta e não outra – não tem qualquer tipo de respeito pelos conceitos basilares da democracia. Esta gente é agressiva, é violenta e fá-lo sob uma aparência enganadora. Contudo, esta mesma direita tem tremido como varas verdes nos últimos dias, tem arranhado paredes e urinado pelas calcinhas abaixo. Esta direita, mergulhada num “grande cagaço” – roubando a histórica expressão de Varela Gomes –, usa cargos políticos e institucionais – das autarquias à presidência da república – para procurar ganhar as pessoas pelo medo, pelas ameaças e pela chantagem. E isso pode vigorar por dias, meses ou anos, com efeitos e consequências. Mas um dia será o último. O respeito, a calma, a via legal e política existe e existirá… mas só enquanto for possível. Só enquanto for possível.

* – José Saramago.