Dissolução da NATO

Nacional

A raiva, cega. O sectarismo, estupidifica. O discurso de Cavaco Silva ontem foi disso uma demonstração. Ninguém negará a legitimidade formal da indigitação de Passos Coelho, embora seja uma opção discutível politicamente, e até contrária a alguns dos objectivos por ele enunciados. Por exemplo, tendo sido avisado pelas forças parlamentares à esquerda da Coligação que um seu programa de Governo seria chumbado, Cavaco sabe estar a inaugurar um período de incerteza, contrário ao clima preferido dos tão importantes mercados e investidores (que por vezes parecem revestir-se de maior legitimidade que os eleitores).

Mas foi o conteúdo do discurso que acompanhou essa decisão que mais espanto causou, no qual extravasou as competências do Presidente da República, indicando quais as forças que poderiam fazer parte de uma base de apoio de um governo. Em particular, excluindo partidos cujos programas fossem críticos desta União Europeia, como se ser da União Europeia fosse um mandato Constitucional e logo não ser europeísta fosse anti-constitucional;  ou como se não fosse legítimo haver um governo com apoio de forças com visões diferentes sobre a União Europeia, podendo continuar a cumprir determinadas obrigações legítimas, mas negociando outras em função do interesse nacional; ou como se isto do «Tratado de Lisboa, do Tratado Orçamental, da União Bancária e do Pacto de Estabilidade e Crescimento» tivesse alguma vez sido sufragado pelos eleitores.

Mas queria focar-me novamente na referência que Cavaco Silva faz à NATO. Cavaco diz: «Em 40 anos de democracia, nunca os governos de Portugal dependeram do apoio de forças políticas antieuropeístas, isto é, de forças políticas que, nos programas eleitorais com que se apresentaram ao povo português, defendem a revogação do Tratado de Lisboa, do Tratado Orçamental, da União Bancária e do Pacto de Estabilidade e Crescimento, assim como o desmantelamento da União Económica e Monetária e a saída de Portugal do Euro, para além da dissolução da NATO, organização de que Portugal é membro fundador.»

Esta última parte é particularmente indignante a vários níveis. Sublinha o papel importante de Portugal na NATO por ser membro fundador, sendo verdade, mas passando por cima de tal ter ocorrido durante o fascismo, sob a batuta de Salazar. E omite que o Art. 7 (ponto 2) da Constituição afirma claramente:
«Portugal preconiza a abolição do imperialismo, do colonialismo e de quaisquer outras formas de agressão, domínio e exploração nas relações entre os povos, bem como o desarmamento geral, simultâneo e controlado, a dissolução dos blocos político-militares e o estabelecimento de um sistema de segurança colectiva, com vista à criação de uma ordem internacional capaz de assegurar a paz e a justiça nas relações entre os povos.». Ou seja, Cavaco faz questão de sublinhar como nos 40 anos de democracia, nunca os governos dependeram de uma força que fosse contra a integração num bloco-político militar no qual Portugal se envolveu durante o fascismo e fossem coerentes com a Constituição defendendo a dissolução desse bloco. Ora, é uma falha grave. Está na hora.

* Autor Convidado
André Levy