Enquanto em Itália se votava para eleger o primeiro governo de extrema-direita desde Mussolini, na pequena ilha no meio do Atlântico que todos os dias nos dá 10 a 0, votava-se, 24 rascunhos depois, um referendo de amor e democracia, ou o novo Código das Famílias que, por sinal, é o mais progressista que o mundo já viu, e cuja redacção contou com o contributo de cerca de 70% do eleitorado. Entretanto, continua claro qual destes países é, para o ocidente, uma democracia, e qual deles é uma ditadura.
O Código das Famílias que acompanha a mudança da sociedade e surge para melhor a poder servir; que defende a igualdade, a dignidade, o respeito pela diversidade, contra todas as discriminações; que faz do amor lei ao permitir o casamento entre pessoas do mesmo sexo; que reconhece e protege o direito de todas as pessoas a formar uma família, à adopção, ao recurso a métodos de reprodução assistida e, em último caso, à gestação solidária; que dará resposta a todo e qualquer tipo de violência, comprometendo-se a proteger as vítimas dos agressores; que não limita direitos nem impõe modelos familiares, respeitando a pluralidade; que demonstra o compromisso do Estado cubano com os mais vulneráveis, as crianças, os adolescentes e respectivas famílias; que não se fica por aqui nem jaz no conforto das palavras bonitas, foi então aprovado. Em nenhum lugar do mundo tinha sido referendada, até agora, uma lei da família. É por estas e por outras que o oceano que nos separa de Cuba é cada vez mais extenso, não só literalmente.
No rescaldo dos resultados, foi amplamente propagada, por vários jornais e plataformas de todos os cantos do mundo, uma mentira que urge esclarecer. Esta consiste na afirmação de que, com a vitória do “sim”, Cuba legalizou as barrigas de aluguer. Ora, há um abismo entre a gestação solidária inscrita no novo Código e as barrigas de aluguer. A proposta cubana distingue-se pelo exemplo de dignidade e decência, para variar. Leia-se o Granma em lugar do Expresso.
O negócio das barrigas de aluguer – assim é adequado chamar-lhe – consiste num fenómeno de exploração brutal da capacidade reprodutiva das mulheres pobres. Sim, das mulheres pobres, aquelas que, dada a ausência de alternativa, sucumbem a este mercado, aceitando dinheiro em troca do aluguer da sua fertilidade e do seu útero. Esta máfia – outra forma adequada de lhe chamar – além de fazer da mulher fértil uma máquina que produz bebés, faz desses bebés uma mercadoria disponível a quem a puder comprar, um bem transaccionável que vale mais ou menos, de acordo com a cor da pele e dos olhos. Aqui, no ocidente, também se paga mais por olhos azuis, já que é na Ucrânia, país mais pobre da Europa – mas ainda da Europa, ainda de pele branca – onde mais bebés nascem por encomenda. É, depois, na Bélgica, país rico, onde se situa o maior posto de levantamento destes bebés-mercadoria, adquiridos por compradores provenientes de outros países ricos e que exigem recém-nascidos cuja cor da pele se assemelhe à sua. A gestação solidária, como descrita na lei, e para evitar a mercantilização do processo, é apenas viável depois de terem já falhado os tratamentos médicos associados à reprodução assistida, nunca descartando a adopção. Além disso, a gestante terá de ser maior de 25 anos e unida por vínculos familiares à pessoa alvo da sua solidariedade. Em casos excepcionais, poderá tratar-se de uma amiga próxima, mediante comprovação desse elo. Há ainda um dado fundamental a acrescentar: cada mulher poderá fazê-lo apenas uma vez, pelo que não só não há trocas de dinheiro, como não se coloca a possibilidade de, repetidamente, submeter mulheres a este processo. Isto não é o que acontece cá, na Europa civilizada, onde a capacidade reprodutiva destas mulheres tem de se fazer render. A seriedade com que estes princípios de selo cubano são reiterados envolve, naturalmente, a punição de quem os violar, corrompendo o propósito de uma alternativa que se quer pertinente e altruísta, que não compactue com a mercantilização do corpo e não perpetue a exploração das mulheres.
Confundir o trigo com o joio nunca foi um bom passatempo. Neste caso, confundir uma alternativa digna, apresentada que foi por um país socialista, com um mercado que se sustenta à custa da miséria e da violência, só pode ser uma de duas coisas: ignorância ou desonestidade. Após o anúncio do resultado da votação, o qual saudou, Miguel Díaz-Canel aproveitou ainda para dizer umas palavras acerca do Furacão Ian, que visitaria a ilha em breve. O melhor e mais ameno dos climas não nos dá este brio, ao passo que aos cubanos nem a chuva dá descanso. Poderíamos antes dedicar-nos a aprender com eles, num voo transatlântico rumo à igualdade e à alegria; ao futuro que canta, poderoso, invencible.
12 Outubro, 2022 às
Francisca, com base no seu comentário “já que as mães estão programadas biologicamente para se vincularem aos bebés”, quer dizer que acha que a adopção voluntária também não devia ser permitida? Eu não vejo grande diferença entre permitir uma mulher dar o seu bebé para adopção ou permitir uma mulher entregar o bebé que gestou (mas pode nem ser biológicamente seu) a um casal ou pessoa sua conhecida ou amiga. Pode não concordar que é uma coisa boa, que não o faria, mas não percebo porquê ser contra uma lei que o permite, se outros quiserem fazê-lo. E notemos que fazer um aborto também se pode considerar uma “anormalidade biológica” pela mesma linha de raciocínio.
5 Outubro, 2022 às
Defender as mulheres acima do direito à reprodução do património genético sempre (e já agora a lei contempla que a barriga de aluguer possa ser também para ceder a paternidade a homens sozinhos, casais de homens, e os outros casos já referidos). Só quem por imaturidade ou vulnerabilidade a pressões e à ideologia dominante IGNORA o processo biológico (fisico e afetivo) que implica carregar e parir um filho, considera que há solidariedade – em geral – em fazê-lo por outras pessoas. Dar leite, dar sangue, dar um órgão a um familiar, são tudo actos solidários e com custo relativo, que não se equiparam a carregar e ceder um filho – e à anormalidade biológica que isso representa – já que as mães estão programadas biologicamente para se vincularem aos bebés. Carregar um filho e separar-se dele não tem nada de solidário para com a mulher que fica grávida e se transforma mãe, quer queiram quer não. Com muita pena minha e apesar das “salvaguardas”, abre-se uma janela, que parece ser a porta do cavalo, lá e talvez cá, se as mulheres decidirem defender romance em vez da realidade material das mulheres, do trabalho reprodutivo e da nossa natureza na reprodução que implica a mulher e o seu comportamento e bem-estar. Viva Cuba Socialista, mas com a crítica fraterna de expôr que o caminho que consideramos para as mulheres, Portuguesas em particular, não é por aí.
12 Outubro, 2022 às
Estou inteiramente de acordo contigo, Francisca. Um abraço
5 Outubro, 2022 às
0brigada Cuba
Que seja um exemplo mundial
As mulheres têem que deixar de ser
Apenas objectos au dispor de quem as
Exploram Alzira
5 Outubro, 2022 às
Cuba em tudo é um exemplo.
Com todo o ignóbil bloqueio dos EU, com todas as críticas dos “bem falantes” que só dizem o que inventam, CUBA VENCERÁ!
Com o seu exemplo, que devia ser seguido ou pelos menos aprofundar as suas vivências, CUBA mostra ao Mundo o que é a solidariedade!
Respeito enorme por CUBA!