Em meu nome, não.

Nacional

Era uma vez uma lei chamada Constituição. Todas as pessoas tinham que a cumprir. Se não cumprissem, começavam a receber cartas e a ficar sem o ordenado. Deixavam de poder ir a hospitais, à escola, etc. Mas sabiam que enquanto contribuíssem colectivamente havia mais casas, mais transportes, mais jardins e por isso protegiam essa lei, porque lhes dava garantias de todos poderem brincar, estudar, tratar as feridas, ler livros, enfim.
Mas um dia chegaram uns senhores com uma pandeireta e muito bem dispostos. Disseram «o que é isso, a Constituição»? Começaram a fazer muitas festas e com pessoas que falavam muitas línguas. Construíram uma casa muito grande e começaram a comprar as escolas, os hospitais, as bibliotecas, os jardins. Até a praia tinha o nome de um desses senhores.

As pessoas, no início, gostaram muito deles. Eram alegres! Diziam que estavam ali para os ajudar! Mas depois… os miúdos deixaram de poder ir à escola porque lhes pediam dinheiro para entrar. Os pais adoeciam e morriam porque não podiam ir ao hospital (pagava-se bilhete e era muito dinheiro!),as mulheres quando iam trabalhar recebiam sempre menos dinheiro. A fábrica de rebuçados fechou, fecharam os parques infantis, deixou de haver correios para mandar as cartas ao pai natal, as mães passaram a estar sempre em casa, os irmãos mais velhos também, os avós e os tios passaram a viver todos juntos. Havia mesmo pessoas na rua a dizer que não tinham comida. As pessoas deixaram de poder contribuir para as brincadeiras, os transportes, as escolas porque o dinheiro não chegava.

Enquanto isto, os senhores estavam sempre sorridentes. Dizia-se que o tribunal que não deixava as pessoas violarem a Constituição, deixava-os violar algumas regras. E depois, quando decidiu castigá-los, eles riram-se e começaram a fazer piadas. Diziam que não entendiam o que eles escreviam (se calhar era por causa daqueles senhores que não falavam português, às tantas). Mas pior, começaram a dizer ao tribunal que se não tivesse cuidadinho iam a casa das pessoas buscar o pouco dinheiro que tinham.

No meio disto, a criança que estava nas ruínas do parque infantil perguntava: então e por que estão as pessoas enfiadas dentro de casa enquanto outras estão na rua a dizer que isto não pode ser? Por que é que não estão todos?

E se o meu pai recebeu uma carta para pagar uma coisa que não tinha pago, os senhores que se riem muito, por que é que não recebem também?

E a Constituição se é boa para nós, por que é que os senhores que se riem muito não gostam dela?

Nisto, foi a casa procurar na secretária o livro que lhe tinham dado há uns meses. Era a Constituição. Agarrou nela, juntou-se às pessoas que estavam na rua a dizer que assim não podia ser, enquanto lia, muito alto, todos os artigos da Constituição.