O que os estorva mesmo é a democracia

Nacional

Já não deve constituir surpresa para ninguém o facto de PSD e CDS demonstrarem enorme interesse em derrubar, de uma vez por todas, quaisquer obstáculos que se entreponham à sua missão ideológica. Atendendo às reincidências no cadastro da sua acção governativa, já não se pode nem se deve falar de «incompatibilidade» da política deste governo com a Constituição. Mais do que isso, trata-se antes de perigosa e muito grave «incompatibilidade» de PSD e CDS com a própria democracia. Estes partidos, não apenas pela prática política mas também pelo discurso cada vez mais reaccionário dos seus principais responsáveis, vão deixando cair essa máscara fictícia de partidos pertencentes a um «centro moderado», a um «centrão» ou «bloco central», ainda que tal falsa ideia vingue (por enquanto) entre a maioria da população. Começa a ser risível, embora preocupante, que haja ainda quem tenha o despudor de falar pejorativamente em “radicalismos” em referência ao PCP – partido defensor acérrimo dos preceitos constitucionais, lutador incansável pelo cumprimento da Lei Fundamental -, quando aquilo que vemos é que os verdadeiros radicais, aqueles que ameaçam a democracia, os que procuram incumprir (repetidamente) as leis do país, mesmo as fundamentais, esses, são os que já se encontram instalados no poder em Portugal.

A estratégia do governo visa uma situação de ganho-ganho. E ganho para o capital, obviamente. Ou são aprovadas leis que beneficiam os do costume, penalizando salários de quem trabalha ou pensões de quem já trabalhou, ou se tenta descredibilizar e atacar a Constituição, para que se abra caminho, por via de uma «sonhada» revisão constitucional, à completa licitude do favorecimento dos mesmos do costume, em detrimento, claro está, de quem trabalha ou já trabalhou.

As últimas declarações dos responsáveis do PSD e do CDS acerca de mais um chumbo do Tribunal Constitucional, além de serem institucionalmente desrespeitosas e politicamente contraditórias (os juízes do TC são, afinal de contas, nomeados pelos partidos mais votados), enquadram-se pois num objectivo muito mais lato que a mera contestação episódica ou formal. Apesar de o governo se esforçar por aparentar o oposto, o confronto de Passos e Portas não é com os juízes do TC. O confronto do governo não é com uma ou outra norma isolada. O conflito não surge por causa desta ou daquela interpretação de natureza formal ou jurídica. O confronto de PSD e CDS é com a substância da própria Constituição, é com aquilo que ela representa enquanto salvaguarda da democracia, enquanto barreira de protecção dos direitos de quem menos tem e menos pode, aqueles a quem de resto o governo ainda não se cansou de esbulhar.

Esqueça-se todo o circo montado em torno dos juízes e dos aspectos técnicos do acórdão. O que os estorva mesmo é a própria democracia. E é preciso derrotar, com urgência, o governo mais inconstitucional e mais anti-democrático que Portugal conheceu depois do 25 de Abril de 1974.

* – título corrigido.