Espreme a mama, se não der leite, não há direito?

Nacional

Escrito que foi, ao correr da pena, na sequência dos comentários e algumas achegas que entretanto me chegaram, ficaram duas questões por abordar aqui.

Então, na continuação da prova por expressão da mama:
E se a mama não der leite? A trabalhadora deixa de ter direito ao período de duas horas diárias?

E se a mama não der leite?

Artigo 47.º – Dispensa para amamentação ou aleitação
1 — A mãe que amamenta o filho tem direito a dispensa de trabalho para o efeito, durante o tempo que durar a amamentação.
2 — No caso de não haver amamentação, desde que ambos os progenitores exerçam actividade profissional, qualquer deles ou ambos, consoante decisão conjunta, têm direito a dispensa para aleitação, até o filho perfazer um ano.
3 — A dispensa diária para amamentação ou aleitação é gozada em dois períodos distintos, com a duração máxima de uma hora cada, salvo se outro regime for acordado com o empregador.

Pois, é que na verdade, se não houver leite nas mamas, é indiferente. A nenhuma trabalhadora pode ser negado o direito de aleitar – até ao 1º ano de idade da criança – independentemente de ser por amamentação ou não. Aliás, imaginemos que é o pai que pede dispensa: como se fará a prova?

Depois desses 12 meses, a prova é feita (ou pode ser) através de declaração médica mensal (“para efeitos do n.º 2 do artigo 39.º do Código do Trabalho, a trabalhadora comunica ao empregador, com a antecedência de 10 dias relativamente ao início da dispensa, que amamenta o filho, devendo apresentar atestado médico após o 1.º ano de vida do filho.”). O único meio previsto é, pois, um atestado. Ou seja, se a entidade patronal quer a dita prova, solicita o atestado. Ponto final.

Outra questão prende-se com a justificação dada pelos hospitais: as licenças «fraudulentas». Pois, mas a inspecção não cabe à entidade patronal.

Aos trabalhadores com filhos até ao primeiro ano de idade, a dispensa para amamentação e aleitação é um direito que não pode ser recusado, muito menos pode ser condicionado a prova física. Se por acaso houver indícios de fraude, o caminho é um: denúncia às entidades competentes. Que, no caso, certamente actuarão diligente e rapidamente por ser em defesa das entidades patronais e não dos trabalhadores. Diz a história e a prática, que a celeridade comanda estes processos.

Mas essa não é a justificação. Diz a enfermeira que já muita gente a emigrar e “a sobrecarga de trabalho é demasiado violenta”. “As mulheres grávidas são pressionadas para reduzirem os tempos de licença de maternidade. As lactantes são pressionadas para abdicarem do horário de amamentação. Falta pessoal, dizem. E tem faltado tanto bom senso!”. Ou seja: para suprir a falta de pessoal no SNS, mães e pais trabalhadores são pressionados para abdicar dos seus direitos e fazer mais (mais horas).

A Frente Comum de Sindicatos da Administração Pública denunciou, já em Setembro de 2014 que «Segundo os dados da DGAEP, a variação do número de enfermeiros na Administração Pública entre 2011 e 2014 é de menos 1695 enfermeiros, situação agravada pela carência de materiais e meios diversos, a degradação acentuada das condições de trabalho inerente e que hoje atinge níveis de insuportabilidade para a generalidade dos enfermeiros, na globalidade das instituições.

A não-substituição/reforço das equipas tem obrigado a que estes profissionais trabalhem dias consecutivos e a terem mais doentes à sua responsabilidade, atingindo limites de exaustão física e psíquica, com consequências na saúde dos profissionais e na qualidade e segurança dos cuidados a que os doentes têm direito

O Sindicato dos Enfermeiros Portugueses enviou a todos os Hospitais um relatório das horas a mais dos enfermeiros. Só em Santarém, por exemplo, cada enfermeiro tinha um crédito de 400 horas!

Sobre tudo isto, infelizmente, nenhuma entidade – Governo ou CITE – se pronunciou. Se indignou. Nem tão pouco afirmou que tudo faria para combater esta prática. Porque para eles estas coisas são normais. Fazem parte. Resta saber se para nós fazem parte também. Aproximam-se os tempos em que veremos de que lado cada um de nós está.

*Sobre a foto: Testemunho da Sílvia Grade

“Uma outra forma de amamentar:
O Luisinho nasceu com 27 semanas no Hospital de São João. Pesava 685 gramas e media 33 cm.
Esteve internado no serviço de neonatologia durante 72 dias. Nunca tive a oportunidade de o amamentar da forma natural.
Por isso, partilho convosco um dos poucos momentos de intimidade que conseguia ter com o meu bébé.” (www.loove.pt)