Fascismo à beira-mar plantado

Nacional

A eleição de forças de extrema-direita para o parlamento português foi um balão de oxigénio para muito fascista envergonhado e contido. Para além destes, que agora exibem sem pudor a sua vontade de gasear ciganos e expatriar pretos, há também uma cavalgante onda de propaganda fascista a invadir as redes sociais. Não é apenas uma petição, não é só um meme, não é apenas um ou dois comentários, é uma campanha orquestrada que está em toda a parte.

A infiltração é notória e tem alguns aspectos requintados. São perfis falsos, mas já elaborados com algum cuidado, que misturam actividade que parece «real» com partilha de conteúdo objectiva ou subjectivamente político. Infiltram-se em grupos de carácter regional, ou local, geralmente muito frequentados e populares, onde disseminam notícias falsas, sensacionalistas, posts de páginas reconhecidamente reaccionárias, mas que colhem a atenção de uma enorme e atenta audiência. São cada vez mais, são cada vez mais agressivos.

Esta agressão assume carácter incisivo, permanente, diário. O ar está irrespirável e pela forma que a agressão assume é impossível ripostar. É impossível porque a paciência esgota-se, o sangue frio esvai-se, e a forma da discussão é feita no terreno do adversário. A máquina sabe que o terreno é favorável, que as dúvidas rapidamente dão lugar a certezas, que não é necessário provar nada, que há sempre um testemunho «real» ainda que falso e mentiroso, que há gente do «lado de lá» sempre mais paciente para propagar a mensagem e rebater qualquer tipo de resposta.

Almada Negreiros dizia que Portugal não é um país, é um sítio e ainda por cima, mal frequentado. Se se insiste, vergonhosamente, em afirmar que por cá não há racismo, os últimos anos têm sido pródigos em demonstrar, da forma mais evidente e dolorosa, toda a mentira desta afirmação. Desde cargas policiais sucessivas em bairros maioritariamente habitados por negros, a uma lei da nacionalidade que vota nacionais a lugares de não existência apenas porque os pais são cabo-verdianos, guineenses, etc., a um SEF impregnado de xenofobia, a uma justiça marcadamente de classe e que ainda não sacudiu o pó colonialista das suas vestes.

E se, para muitos, a versão do sítio mal frequentado é um «vai para a tua terra», a nossa versão é que fascistas e racistas aqui não têm lugar. Não obstante, não só são tolerados como promovidos. A direita fascista internacional sentiu-se perfeitamente à vontade para organizar uma conferência em Lisboa e exibir suásticas tatuadas e saudações nazi-fascistas. Conhecidos criminosos nazis enchem televisões e fazem primeiras páginas de jornais com idiotas como Marinho Pinto a epitetá-los de «presos políticos». Os ventos sopram todos, ou quase todos, a seu favor.

Tudo isto num país que não só conheceu a ditadura mais longa da Europa, como tem relatos de muitos que foram assassinados por combater essa ditadura. Alguns dos que lhe sobreviveram, como o José Pedro Soares, contam os seus mais de trinta dias de tortura: queimaram-lhe os testículos, nunca apagavam a luz, obrigaram-no a permanecer de pé dias e dias. Mesmo assim, décadas depois, numa esquadra, agentes da autoridade ainda vociferam «pretos de merda, vão para a vossa terra», pisam seres humanos, partem dentes ao pontapé, arrancam cabelos. Advogadas vão à televisão chamar parasitas aos habitantes da Cova da Moura. O Primeiro-Ministro é tratado por chamuça ou monhé. Um idiota perigoso arroga-se de dizer as «verdades», enquanto mente em todas as frases.

Há um terreno demasiado fértil para o recrudescimento do fascismo, da xenofobia, do ódio. E não existe, em paralelo, uma resposta firme, determinada. Nem sequer o reconhecimento de que já está a acontecer e não é um episódio isolado. Nem cem episódios isolados. São recorrentes e já não há vergonha.

*Texto de Ivo Rafael e Lúcia Gomes

10 Comments

  • Jose

    26 Outubro, 2019 às

    O anti-fascismo comuna e o fascismo é tão só uma diferença de classe dirigente.
    Ainda ontem vi passar o autocarro da 'Casa do Povo-para o serviço de avós e netos'.

    • Nunes

      26 Outubro, 2019 às

      «O anti-fascismo comuna e o fascismo é tão só uma diferença de classe dirigente.»

      O que é que isso quer dizer?

      Para além de fascista e estúpido, és muito infantil.

      Por último e, se não te importares, vai contribuir com a tua opinião de criança para uma página que defenda os teus interesses de menino embirrento e que se porta mal por detrás das saias da mãe.

  • Nunes

    23 Outubro, 2019 às

    Já agora, qual a lógica para um fascista (com problemas de saúde mental, como o José), ser constante em comentar todos os artigos que são publicados numa página anti-fascista? Não vai agora desculpar-se que é por falta de tédio…

  • Jose

    22 Outubro, 2019 às

    Se houver comunistas de verdade não há motivos porque não haja fascistas de verdade – todos são totalitários.

    Agora esta arenga, é a habitual cassete de que: quem não é esquerdalho é fascista; e mesmo assim nem todos os esquerdalhos se safam do labéu.
    Um tédio entediante!

    • Nunes

      22 Outubro, 2019 às

      Já estava a dar pela falta da participação do homem que ama este blog e não consegue viver sem o ler e comentar.

  • Nunes

    20 Outubro, 2019 às

    O sistema capitalista em que vivemos é a principal razão do ressurgimento do fascismo.

  • etelvina coelho

    19 Outubro, 2019 às

    Já tinha percebido e não me surpreende, o caminho foi sendo aberto, a serpente saiu do buraco onde hibernou. Ainda não é tarde mas é precisa muita inteligência e coragem para dizer FASCISMO NUNCA MAIS!

  • JE

    18 Outubro, 2019 às

    Um comentário na mouche.

    Excelente

  • Alexandra Faria

    17 Outubro, 2019 às

    Revejo-me em cada uma das frases.
    A vergonha desapareceu e deu lugar ao despudor quando não ao orgulho!

  • Rogério Paulo Martins

    17 Outubro, 2019 às

    Muito bem arengado.

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