G: género
O género é o conjunto das expectativas sociais que os sistemas de exploração dominantes em cada momento histórico atribuem ao sexo em função das suas necessidades políticas e económicas, transformadas em normas psicossociais sobre como se deve comportar e expressar, respectivamente, uma mulher ou um homem. Historicamente, essas expectativas constroem-se como cofragens de identidades e de expressões performativas de grande profundidade cultural e que, consciente ou inconscientemente, em maior ou menor grau, todos reproduzimos.
É contraproducente para o progresso considerar que a sensibilidade é uma característica feminina ou que a assertividade é condão dos homens. Uma mulher, independentemente da sua orientação sexual, pode ser forte, assertiva, agressiva e insensível sem ter de se identificar como um homem. Da mesma forma, um homem pode ser homossexual, usar saia, e ser um homem.
Há que lutar contra todas as discriminações e em direcção a um futuro pós-género, não em direcção à perpetuação dos estereótipos. Esse é, contudo, um objectivo ainda distante que não deve fazer perder de vista a necessidade imediata de dar todo o apoio às pessoas que sofrem por não se poderem expressar livremente ou que são discriminadas ao fazerem-no. Ainda assim, ser homem ou ser mulher não devia querer dizer mais do que o sexo com que se nasce e que pode ser alterado hormonal e morfologicamente, mas não biologicamente. Explicamos porquê: o “sexo com que se nasce” não é uma atribuição. É uma constatação objetiva de uma característica material. Uma pessoa que “mude de sexo” deve ter liberdade e apoio para fazê-lo, mas nunca vai ter cancro da próstata ou do colo do útero.
A questão da mudança de sexo assenta no principio subjectivo de que o sexo com que se nasce, e consequentemente o género atribuído pela sociedade, não está alinhado com o “género interior”. Mas a “identidade de género” não é algo com que se nasce, (o género não é natural) mas sim algo que se cria e desenvolve. Há que admitir, portanto, a possibilidade de a disforia e a sensação de estar “no corpo errado” estar associada à insistência das sociedades que garantem a algumas pessoas que o seu comportamento e a sua personalidade estão errados para o seu sexo. É natural que um homem com uma personalidade com características tradicionalmente atribuídas a mulheres, ou uma mulher com características tradicionalmente atribuídas a um homem, se sinta “no corpo errado”, o que gera frequentemente um sofrimento atroz.
Os que pretendem que a identificação como “homem” ou “mulher” está desligada das condições históricas, políticas e sociais e que nada tem a ver com o corpo, cultivam uma visão idealista do mundo em que o “eu” é independente da matéria: um retorno à cosmologia dualista da “alma” separada (ou mesmo oposta) à “prisão do corpo”. Esta lógica pós-modernista e pós-estruturalista prende o ser humano no labirinto da identidade individual em vez de procurar a libertação das amarras de um sistema inerentemente opressor. Em última análise, levando esta doutrina aos seus limites lógicos, um banqueiro sueco poderia identificar-se como um aborígene australiano. E a verdade é que podia, mas isso não aproximaria a humanidade do progresso, porque nenhum estereótipo liberta.
Há uma guerra pelas nossas palavras. Elas são os instrumentos com que explicamos o mundo e a história ensina-nos que só o consegue transformar à sua vontade quem o consegue explicar. Da mesma forma que os negreiros tinham o cuidado de separar os escravos em grupos que não falassem a mesma língua, o capital verte milhões em campanhas de confusão conceptual, na promoção de novas categorias, na erradicação de certos vocábulos e na substituição de umas palavras por outras, aparentemente com o mesmo sentido. Este dicionário é um instrumento rápido para desfazer algumas das maiores confusões semânticas, conceptuais e ideológicas dos nossos tempos.
12 Junho, 2021 às
Os que eventualmente ridiculam a passagem final sabem que não conseguem formar uma posição coerente sobre o problema do género por isso fogem do argumento a partir do momento em que ficam desconfortáveis.
Afinal de contas, parece absurdo entreter a ideia de alguém se identificar como aborígene — ignorando que havia um momento, não há muito tempo aliás, em que validar a identificação de um homem como mulher era visto como igualmente absurdo.
O que esses críticos (religiosos?) não entendem é que o problema pode ser colocado mesmo nos termos mais aceitáveis. Isto é, um banqueiro sueco pode não se identificar como aborígene, mas pode identificar-se como mulher.
Mas uma pergunta que surge imediatamente depois desta afirmação é: de acordo com quem? Quem disse que esse banqueiro, chamemos-lhe Rui, é agora Raquel? O que é que faz da sua reivindicação de identidade como mulher autêntica mas a reivindicação de outro banqueiro, chamemos-lhe Jorge, como aborígene australiano inautêntica? A resposta é simples, segundo esta doutrina: Rui entende a sua identidade como mulher como autêntica, logo *é* autêntica.
Enquanto sociedade, nós coletivamente concordamos em aceitar a expressão de crença de pessoas trans na sua autenticidade. É bom para essas pessoas dizerem que estão convencidos de que as identidades que abraçam são as suas identidades reais de alguma forma que não é limitada por sua biologia no nascimento.
No entanto, a lógica do pluralismo e do caráter aberto da identidade que os críticos afirmam exigiria que eles também aceitassem os autorrelatos de reivindicações de autenticidade em relação a identidades que podem divergir da convenção. Certamente, não fazer isso requer alguma justificação mais persuasiva – e menos rebuscada – do que simplesmente afirmar “a minha é genuína, a deles não.”
O critério voluntário / involuntário nem é sofisma, é apenas treta. Mais uma vez, quem disse? Quem deu a pessoas trans e “não binárias” os dons de leitura mental telepática e de ventríloquismo? Como sabemos que Jorge não se pode sentir que é “realmente” aborígene australiano da mesma maneira involuntária que muitas pessoas trans sentem que são “realmente” transgénero?
Aqui aproximamos-nos do essencialismo subjacente a toda esta ortodoxia de género. Através de um processo inconsciente, os críticos defensores da teoria de género revelam uma confusão entre sexo e género que é surpreendentemente ingénua, afirmando coisas como “o género é um atributo fundamental da nossa existência”.
Mas género não é menos culturalmente construído do que raça. Se estes liberais fossem um bocadinho mais curiosos e menos precoces sobre a antropologia veriam que a relação entre os tipos de sexo e os papéis de género tem variado enormemente ao longo da história e existência da nossa espécie.
Num ato bizarro de antifeminismo vindo de auto-proclamados progressistas, os liberais “de esquerda” naturalizam o género como mesclado ao tipo sexual, dizendo que “as pessoas trans fazem a transição para ser o género que sentem por dentro.”
Se a identidade é inerente a nós em maneiras que estão para além de nossa vontade, como é que podemos legitimar a identidade transgénero – que é a identidade de género que não se adequa àquela convencionalmente associada ao sexo biológico – sem o estigma psicológico da dismorfia, da doença mental? A confusão entre sexo e género é o mecanismo ideológico que parece resolver esse enigma, revelando que o essencialismo subjacente não é apenas um defeito a ser refinado mas sim uma das suas características definidoras desta tendência reacionária.
É apenas tratando os papéis de género como de alguma forma dotados no nascimento que o ativista pode argumentar que a identidade transgénero é “quase sempre involuntária”. Ou seja, no contexto de essencialização do discurso político, a identidade de género deve expressar uma condição como “natural” ou equivalente inerente, ou anterior, ao sexo biológico.
A identidade de género requer ser lida como “fisicamente ligada” dentro de uma estrutura normativa em que o acesso ao domínio da identidade reconhecível que merece consideração cívica depende de reivindicações essencialistas, e a única maneira que a identidade de género pode atender a esse padrão é eliminando as distinções entre sexo e género – embora esse movimento, como argumentam muitas feministas, vá contra a corrente da perspectiva que o movimento feminista tem lutado para avançar pelo menos no último meio século.
10 Junho, 2021 às
Há que compreender também que a sociedade sem género é a sociedade sem sexo.
Podemos dar as voltas que quisermos, e por em causa esteriótipos, mas existem diferenças entre homens e mulheres que advêm da sua condição de animais. A abolição do género, só servirá para tornar os seres humanos mais inseguros e mais sós. Contudo, pugno por uma sociedade que respeite a individualudade, assim como a solidariedade.
Mas, se a construção do género é social, eu acredito que é, mais também é natural, porque é que as pessoas com disforias de género não resolvem o problema com psicólogos e psiquiatras, como se resolvem tantas outras maleitas derivadas da sociedade castrante e injusta que temos?! Porque se operam, porque se retalham, porque sofrem horrores com operações para poder ter um pénis ou uma vagina se no fundo não conseguem deixar de ser o que eram?!
Não será que, mais uma vez, estamos a ir contra a natureza e a aniquilar a identidade humana em nome de uma uniformidade que não vejo o que nos trará de bom?!
10 Junho, 2021 às
Gosto.
9 Junho, 2021 às
Ainda que compreenda parte da argumentação, a questão é que não há efectivamente só dois sexos. Há toda uma panóplia de casos em que não há evidências que confirmem sexo masculino ou feminino, há várias conjugações de cromossomas e não apenas o XX e o XY para se poder falar unicamente em sexo masculino e sexo feminino. Logo aí, quando estamos a catalogar em sexo feminino e sexo masculino, estamos a atribuir categorias que englobem uma série de casos que não são iguais entre si, logo é uma construção social à mesma e não uma questão biológica.
Concordo que o caminho é a abolição do conceito de género como expectativas atribuídas a pessoas com um conjunto de características biológicas semelhantes, mas para mim esse caminho é feito através de uma real igualdade de género e para isso temos que admitir que o género, ainda que construção social, existe. Não duvidando das tuas reais boas intenções, acho que precisas de aprofundar o estudo e a investigação nesta área, falando também com diversas pessoas não binárias e tentando perceber o ponto de vista delas, para que possas refazer a tua opinião sobre estas questões com uma base mais estruturada.
10 Junho, 2021 às
Não é verdade. Não existe uma panóplia de sexos. O sexo é binário. Mesmo no’s casos de cromossomas xxy ou yyx prevalece um dos sexos.
E mesmo que assim não fosse (sendo), não se pode alterar conceito fundamental com base em exceções. A descrição quanto à fisionomia de um see humano continua a ser dois braços, duas pernas, um tronco enuma cabeça, mesmo quando muihares de pessoas nascem sem corresponder exactamente as estas características.