Gálatas 5:1

Nacional

Fátima Romaneiro era militante do PCP, foi resistente anti-fascista e morreu no passado dia 1 de Novembro. Era católica praticante, frequentava a igreja todos os domingos e nos últimos 15 anos fora anualmente a Fátima, a pé, em peregrinação. Era conhecida do pároco e de toda a gente na paróquia. Quis como última vontade que na hora da sua despedida estivessem presentes ou simbolizadas as duas vertentes da sua vida: ter funeral católico e a bandeira do PCP pousada sobre o caixão. Dentro da igreja, ao ver a bandeira sobre a urna, o sacerdote ordenara de imediato a sua retirada. Como é evidente, por decisão da família, a bandeira foi mantida. O sacerdote decidiu então retirar-se ele próprio, negando-se a prosseguir as exéquias. Conclusão da história: esta fiel católica, devota, cumpridora dos rituais sagrados, por ser também comunista e querer expressar simbólica e livremente a sua militância num país que consagra a livre expressão, livre opinião e livre filiação partidária, acabara por ser sepultada com um Pai-Nosso e palmos de terra. Uma longa vivência espiritual. Tão triste e revoltante fim.

Engana-se quem, por ventura, possa pensar que, além do mais elementar desrespeito por uma católica e respectiva família, num momento delicado e particularmente difícil para todos, a atitude do padre se limita a uma afronta declarada ao partido político ali representado. Não foi. Melhor dito, não foi ‘apenas’ isso. A atitude do sacerdote, além de traduzir um particular ódio ao PCP, simboliza antes e acima de tudo – e isto parece-me bem mais grave – um ódio profundo de um membro da igreja católica portuguesa à liberdade e à democracia. E é caso para perguntar: que específica norma canónica impede tal coisa? Que espécie de incómodo ou perturbação de culto pode causar uma bandeira pousada em cima de uma urna? Quantos funerais católicos se vão realizando mundo fora com bandeiras das mais diversas cores e significações? E se o argumento é o de que uma igreja não é – ou não deve ser – local de manifestação política, quem é que nesta história acaba por dar ele próprio substância e relevo a questões fundamentalmente políticas? Será a senhora falecida, que foi coerente na vida como na morte, ou o vivo senhor abade, que se limitou a desamparar na morte alguém que sempre foi fiel à sua religião em vida?

Curiosamente, esta notícia é tornada pública no mesmo dia em que lemos uma pertinente mas por certo incómoda declaração do Papa. E diz Francisco: “são os comunistas que pensam como os cristãos. Cristo falou de uma sociedade em que os pobres, os débeis e os excluídos é que decidem. Não os demagogos, os Barrabás, mas o povo, os pobres, tenham fé em Deus ou não, mas são eles que temos de ajudar a obter a igualdade e a liberdade.” Perante isto uma última interrogação – e perguntar não ofende: e se este Papa, com estas e outras afirmações, ainda que sem bandeira sobre a urna, se finasse no dia de hoje, será que todos os padres de Portugal estariam na “disposição” de lhe fazerem o funeral?