If I must die

Internacional

Mohammed Abed/AFP

“If I must die”, é um poema de 2011, originalmente escrito em inglês, pelo escritor, poeta, professor e activista palestiniano Refaat Alareer, assassinado por Israel em 2023, num dos incontáveis bombardeamentos que têm vindo a terraplanar Gaza. O poema, que agora faz parte de uma colectânea póstuma – If I Must Die: Poetry and Prose, recuperou voz e vigor pelas mais óbvias razões, e reveste-se de uma intemporalidade trágica, porque perante o desaparecimento da humanidade canta a esperança, porque é, contra todas as evidências em contrário, a dignidade que resta dessa humanidade ausente.

Olhando os doze anos que separam as letras iniciais do poema e a morte do seu autor, permite-se compreender, como em tantas outras mortandades em decurso, o fraudulento imediatismo simplista com que encaramos os principiares das guerras, obedecendo mais a relógios políticos do que a contextos históricos, uma tortuosa narrativa vale sempre mais do que a própria vida, isso bem sabemos. Porém, sobre isso, ninguém saberá mesmo mais ou melhor do que o povo mártir da Palestina, numa contenda secular, persistente e contínua, pelo direito à sua autodeterminação, pelo seu direito a existir, pela sua sobrevivência.

AFP via Getty Images

A barbárie genocida em Gaza, perpetrada por Israel, prossegue em bom ritmo, adjectivação ajustadíssima ao intento último de Benjamin Netanyahu e da sua infausta horda sionista: exterminar o povo palestiniano.

A barbárie genocida em Gaza, perpetrada por Israel, cumpriu recentemente 600 dias do seu início, e espelha-se na inanimada frieza dos seus números, que não almejando por um segundo exemplificar o sofrimento de todo um povo, ajudam à compreensão do que está a acontecer, à data de hoje e desde Outubro de 2023:

• 54,100 pessoas assassinadas

[70% são mulheres e crianças; + de 2,200 famílias desapareceram na totalidade; o número pode ser superior até 40% dos números oficiais]

~11,000 desaparecidos nos escombros.

122,000 mutilados:

20% da população em risco de morrer de fome e/ou sede

[14,000 são bebés]

• + de 1,900,000 pessoas deslocadas

[+ de 80% da população]

80% da habitação destruída; 50% de toda a infra-estrutura destruída

[Principais alvos de Israel: Estruturas hospitalares, escolas e campos de refugiados]

232 jornalistas assassinados

• + de 500 trabalhadores humanitários assassinados

[entre eles da ONU e Cruz Vermelha]

• Israel é a principal causa de morte infantil em todo o mundo

• A esperança média de vida em Gaza passou de 75.5 anos para 40.5 anos

Lembrando outros tempos e outros genocídios, onde morbidamente as vítimas (ou os seus contemporâneos representantes governamentais) tomaram o lugar do seu carrasco, as Forças de Defesa de Israel arrasaram bairros, aldeias, vilas e cidades, cavaram valas comuns, profanaram cemitérios e bombardearam incessantemente hospitais, escolas e campos de refugiados, torturaram palestinianos, acometeram agressões sexuais e executaram sumariamente. A Palestina é agora uma larga ruína onde habitam nómadas involuntários, mareando ao sabor dos ventos que sopram de cada explosão, a Palestina é uma Guernica à escala de Gaza, e anunciada que está uma limpeza étnica, mora lá um povo condenado à morte na sua própria terra, uma expatriação à lei da bala de proporções bíblicas.

Ao serviço das Forças de Defesa de Israel, a Morte montada no dorso de cada bomba e de cada bala ceifa indiferentemente e a Fome cumpre e galga aos estômagos do povo da Palestina por cada ajuda humanitária que se fica pelo caminho, ou pela fronteira, pouco importa, a Doença enferma os que se esquivam da primeira e enganam a segunda; a Esperança teima, é certo, cantam-na ainda, agarrando-a, segurando-a com aferro e com as forças que teimam, mas já falham, e, por fim, a dúvida investe sobre o mote: A Palestina Vencerá!(?)

A resposta habita na incerta certeza das causas justas e invencíveis: Talvez. Talvez, se por cada vida palestiniana se contar a sua história, talvez, se por cada escombro em Gaza se ajudar a construir com resistência o indestrutível edificado da esperança. Talvez, se por todas as terras desta terra toda a frente de resistência humana e humanista contar e cantar a história de Refaat Alareer e de cada palestiniano assassinado, se essa frente ajudar a edificar os dias melhores, que haverão de chegar; se essa frente de solidariedade internacional, se essa frente construtora dos caminhos para a paz não desarmar, se se mobilizar e enfrentar o fascismo, o sionismo, o armamentismo e o belicismo, talvez, se essa frente popular e desobediente não abdicar da dignidade. Então, aí, sim: A Palestina Vencerá!

O poema “If I must die”:

“If I must die,
you must live
to tell my story
to sell my things
to buy a piece of cloth
and some strings,
(make it white with a long tail)
so that a child, somewhere in Gaza
while looking heaven in the eye
awaiting his dad who left in a blaze—
and bid no one farewell
not even to his flesh
not even to himself—
sees the kite, my kite you made, flying up above
and thinks for a moment an angel is there
bringing back love
If I must die
let it bring hope
let it be a tale”

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