Lénine referindo-se à actualidade portuguesa

Nacional / Teoria

O aprofundamento das desigualdades, a criação de monopólios e como há sempre vozes do sistema que procuram mascará-lo:

“(…) o monopólio do Estado na sociedade capitalista não é mais do que uma maneira de aumentar e assegurar os rendimentos dos milionários que correm o risco de falir num ou noutro ramo da indústria.”

“«(…) A dominação dos nossos grandes bancos sobre a Bolsa… não é outra coisa senão a expressão do Estado imperial alemão completamente organizado. Se restringirmos deste modo o campo de acção das leis económicas, que funcionam automaticamente, e dilatarmos extraordinariamente o da regulação consciente através dos bancos, aumenta, em relação com isso, em proporções gigantescas a responsabilidade que, quanto à economia nacional, recai sobre umas poucas cabeças dirigentes», diz o Prof. Alemão Schulze-Gaevernitz, esse apologista do imperialismo alemão, (…) e que se esforça por dissimular um «pequeno pormenor»: que essa «regulação consciente» através dos bancos consiste na espoliação do público por meia dúzia de monopolistas «completamente organizados». O que o professor burguês se propõe não é pôr a descoberto todo o mecanismo, não é desmascarar todas as artimanhas dos monopolistas bancários, mas embelezá-las.”

A aniquilação da “classe média”, o ataque às pequenas e médias empresas

“Nos meios comerciais e industriais ouvem-se com frequência lamentações contra o «terrorismo» dos bancos. E nada tem de surpreendente que essas lamentações surjam quando os grandes bancos «mandam»” “A velha luta entre o pequeno e o grande capital reproduz-se num grau de desenvolvimento novo e incomensuravelmente mais elevado.”

A falta de fiscalização e os perigos da economia especulativa para o Estado

“Mas o «sistema de participação» não só serve para aumentar em proporções gigantescas o poderio dos monopolistas como, além disso, permite levar a cabo impunemente toda a espécie de negócios escuros e sujos e roubar o público”

“A técnica moderna de elaboração dos balanços não só lhes oferece a possibilidade de ocultar a operação arriscada ao accionista médio como permite mesmo aos principais interessados livrarem-se da responsabilidade mediante a venda oportuna das suas acções no caso de a experiência fracassar, ao passo que o negociante particular arrisca a sua pele em tudo quanto faz…”

“O capital financeiro, concentrado em muito poucas mãos e gozando do monopólio efectivo, obtém um lucro enorme, que aumenta sem cessar com a constituição de sociedades, emissão de valores, empréstimos do Estado, etc., consolidando a dominação da oligarquia financeira e impondo a toda a sociedade um tributo em proveito dos monopolistas.”

A chamada “recuperação económica”

“Num estado de estagnação da população, da indústria, do comércio e dos transportes marítimos, o «país» pode enriquecer por meio das operações usurárias.”

“Se os lucros do capital financeiro são desmedidos durante os períodos de ascenso industrial, durante os períodos de depressão arruínam-se as pequenas empresas e as empresas pouco fortes, enquanto os grandes bancos «participam» na aquisição das mesmas a baixo preço, ou no seu lucrativo «saneamento» e «reorganização».”

A chamada “União Europeia”

“A época do capitalismo contemporâneo mostra-nos que se estão a estabelecer determinadas relações entre os grupos capitalistas com base na partilha económica do mundo, e que, ao mesmo tempo, em ligação com isto, se estão a estabelecer entre os grupos políticos, entre os Estados, determinadas relações com base na partilha territorial do mundo, na luta pelas colónias, na «luta pelo território económico».”

“O exemplo de Portugal mostra-nos uma forma um pouco diferente de dependência financeira e diplomática, ainda que conservando a independência política. Portugal é um estado independente, soberano, mas na realidade há mais de duzentos anos, desde a Guerra da Sucessão de Espanha (1701 – 1714), que está sob o protectorado da Inglaterra. A Inglaterra defendeu-o, e defendeu as possessões coloniais portuguesas, para reforçar as suas próprias posições contra os seus adversários: a Espanha e a França. A Inglaterra obteve em troca vantagens comerciais, melhores condições para a exportação de mercadorias e, sobretudo para a exportação de capitais para Portugal e suas colónias, pôde utilizar os portos e as ilhas de Portugal, os seus cabos telegráficos, etc., etc. Este género de relações entre grandes e pequenos Estados sempre existiu, mas na época do imperialismo capitalismo tornam-se sistema geral, entram, como um elemento entre tantos outros, na formação do conjunto de relações que regem a «partilha do mundo», passam a ser elos da cadeia de operações do capital financeiro mundial.”

Todos estes trechos foram retirados do livro Imperialismo, fase superior do capitalismo, escrito por V.I. Lénine em 1917. Não foram seleccionados em função de ser mais ou menos ilustrativos de todo o texto, mas sim pela sua pertinência face à actualidade que demonstram e à adaptabilidade que revelam da presente situação do nosso país.

De facto, com mais bolhas especulativas que entretanto rebentaram e outras tantas que se voltaram a criar, com mais “produtos financeiros” e respectivas artimanhas a eles associadas, com o incremento e o apuramento das “novas” formas de colonialismo (no caso de Portugal substituindo-se entretanto a Inglaterra pela UE) e com mais desenvolvimento do poderio militar, o retrato do capitalismo avançado descrito por Lénine há quase um século assenta perfeitamente na situação actual. É caso para dizer: qualquer semelhança com a realidade é pura análise económica.

Não é de estranhar que nas academias portuguesas Lénine não seja sequer aflorado, quanto mais aprofundado – O capitalismo avançado não se coaduna com honestidade intelectual. Por isso também não é de estranhar que ainda chamem de neoliberais a ideias com mais de 100 anos, ou que o CDS vá dizendo que Portugal está sob um protectorado desde 2011 e que o PSD insista que se não nos vergamos às imposições troikistas perderemos a soberania. Esse protectorado e essa perda de soberania já não são de agora. Por ignorância ou por deliberada intenção não nos dizem que o papel de Portugal na geografia do imperialismo já está traçado.

Cabe-nos romper com esse imperialismo (e não apenas com a sua geografia).