Liberdade editorial versus liberdade de expressão

Nacional

“Mas não é por acaso que se vê, de cada vez que se avançam perspectivas para uma beneficiação e elevação dos programas televisivos, que os remédios válidos mostram ser sempre e só remédios de ordem política; só a ideologização do meio técnico pode mudar o seu cunho e a sua direcção. Mas a ideologização não significa “partidarização”; significa apenas imprimir na administração do meio uma visão democrática do país; bastaria dizer: usar o meio no espírito da Constituição e à luz da inteligência. Todos os casos em que a nossa televisão tem dado boa prova de si, no fundo, não foram mais do que deduções correctas deste teorema.” (Umberto Eco em Apocalípticos e Integrados, 1964).
Foi esta semana conhecido o Barómetro de Comentário Político Televisivo Maio 2016, um trabalho do Laboratório de Ciências de Comunicação do ISCTE-IUL. E vale a pena a sua leitura e análise.

O Barómetro no seu título conclui ainda por “Um quase empate entre a esquerda e a direita”, ora sobre esta conclusão possível, não deixa de ser criticável a introdução de um grau de subjectividade na avaliação e caracterização da representatividade política que eu não subscreveria, embora generosamente entenda a ideia dos autores.

O Barómetro centra a sua análise na representatividade factual e eventual dos partidos políticos no espaço televisivo caso os resultados eleitorais fossem critério de representação nos espaços de comentário político. Assim foram analisados no Barómetro um total de 53 comentadores políticos, dos quais 27 terão filiação partidária conhecida. Também foi analisada a representatividade(no quadro dicotómico esquerda/direita) que poderão ter “personalidades” das quais apenas é conhecido algum apoio eleitoral pretérito ou antiga militância, ou seja, não filiação política actual.

Um quadro agravado

O quadro acima refere-se apenas a este mês de Maio mas, salvo uma ou outra alteração muito pontual, é significativo da situação global da representatividade em espaços de comentário político televisivo ao longo do restante ano.

Contudo, o quadro agrava-se se se atender a quadros de representatividade semelhante que se possam estabelecer sobre a restante comunicação social dominante nomeadamente jornais e rádios, entre outros. Aí, e salvaguardando a honestidade do levantamento e da análise, e respeitando igualmente as mais elementares regras da matemática e da proporcionalidade, facilmente se concluiria que no quadro mediático dominante o PCP é absolutamente prejudicado à luz do critério da representatividade eleitoral.

Um problema da Democracia

As conclusões desta análise não serão novidade para muitos leitores do Manifesto 74, contudo será justo recordar que o critério eleitoral não pode nem deve ser o critério para selecção de comentadores políticos, embora também o possa ser. À luz do espírito da Constituição e da vasta legislação sobre o sector(dentro e fora dos períodos de campanha eleitoral), a liberdade de imprensa e a liberdade editorial serão também critérios.

O comentário político saudável pressupõe espírito democrático, a salvaguarda das forças minoritárias, a diversidade e o pluralismo e a assumpção de responsabilidades de todos os intervenientes(até daqueles que dizendo-se independentes no comentário ou no estatuto editorial nunca o são ou foram na prática).

Os perigos(como a formatação de ideias, a mediatização de realidades inexistentes, a construção de resultados eleitorais, entre outros) e o quadro geral cultural, mediático e económico que construiu a situação presente são conhecidos.

Assim, cumpre concluir que a concentração capitalista da riqueza, a concentração nos grandes grupos económicos da comunicação social dominante(televisão, jornais, rádios), a partidarização e ideologização da comunicação social detida pelo Estado, entre outros, são problemas da Democracia que devem ser denunciados e que objectivamente com ela conflituam.

* Autor Convidado
Filipe Guerra