Mariposas

Nacional

Da violência sobre as mulheres muito se diz, particularmente quando os números e as imagens nos mostram diariamente a violência mais visível, a que deixa marcas no corpo. Mas a violência contra as mulheres não se subsume apenas a uma questão biológica. É muito mais do que isso. É essencialmente mais do que isso.

Hoje assinala-se o Dia Internacional pela Erradicação da Violência sobre as Mulheres, e tal como o Dia Internacional da Mulher, a sua origem é pouco conhecida, porque a História se vem escrevendo pelos vencedores. Mas a origem destes marcos é a luta das mulheres. A luta pela sua emancipação e pela emancipação do povo trabalhador. A luta de classes.
A 25 de Novembro de 1960, Patria, Minerva e María Teresa Mirabal são brutalmente assassinadas. Conhecidas como «As Borboletas» organizaram a resistência e a luta armada na República Dominicana contra Rafael Leonidas Trujillo Molina, no poder desde 1930, fervoroso líder anti-comunista apoiado pelos EUA e pela CIA. A opressão exercida sobre o povo trabalhador levou à insurreição destas mulheres em defesa da libertação do capital, originando que na história mundial este dia fosse assinalado. Todavia, a sua origem histórica perdeu-se algures no meandro dos escritos dominantes que apresentam teorias feministas baseadas na mera concepção biológica e na diferença entre mulheres e homens com base no sexo (teoria tão brilhantemente refutada por Simone de Beauvoir no seu «Segundo Sexo»1,ou por Alexandra Kollontai2) que deixam de fora as lutas seculares em defesa do trabalho, dos salários, da igualdade na vida.
Hoje vivemos dos tempos mais violentos contra as mulheres. Afirmava Engels n’ «A Origem da Família, da Propriedade Privada e do Estado» em 1884 que «A libertação da mulher, na sua equiparação ao homem é e continuará a ser uma impossibilidade enquanto a mulher for excluída do trabalho social produtivo e limitada ao trabalho privado doméstico. A libertação da mulher só se tornará possível quando ela puder em grande escala, em escala social, tomar parte na produção e o trabalho só a ocupar em grau insignificante.». A realidade, passados séculos, continua a ser desfavorável à mulher no contexto laboral.

De acordo com dados do INE referentes ao 3º trimestre de 2013:
A taxa de actividade das mulheres é de 54,8% 3 a dos homens, 66,3%;
A taxa de desemprego das mulheres situa-se nos 15,9% enquanto que a dos homens está nos 15,3%, para uma média estimada de 15,6%;
A taxa de inactividade das mulheres é de 45,2% e a dos homens, 33,7%.

«Em 2012, o peso da população empregada com o ensino superior mantém‐se mais elevado entre as mulheres do que os homens (25,1 % face a 16,1 %, respectivamente), sucedendo o mesmo com o nível de ensino secundário e pós‐secundário (22,7 % do emprego feminino detém este nível de habilitação face a 19,8 % do emprego masculino).

Segundo os dados dos Quadros de Pessoal de 2011, independentemente de serem as mulheres que possuem os níveis de habilitação mais elevados, são as categorias que correspondem a um nível de qualificação mais baixo aquelas que apresentam uma taxa de feminização mais elevada, ou seja, as relativas aos grupos “profissionais semi-qualificados” (58,5 % são mulheres), “não qualificados” (54,7 % são mulheres) e “praticantes e aprendizes” (51,4 % são mulheres). (…)

A taxa de desemprego dos jovens (15 aos 24 anos), aumentou de 30,1 % em 2011 para 37,7 % em 2012, sendo, neste último ano, de 36,4 % para a população masculina e de 39,1 % para a feminina, com uma ligeira redução do diferencial (‐3,0 p.p. em 2011 para ‐2,7 p.p. Em 2012). (…)

Em 2011, e segundo os dados dos quadros de pessoal, os elementos relativos à população trabalhadora por conta de outrem a tempo completo, em Portugal, mostram que a diferença salarial entre homens e mulheres12 é outra característica a realçar, dado que as mulheres auferem cerca de 82 % da remuneração média mensal de base dos homens ou, se falarmos de ganho médio mensal (que contém outras componentes do salário, tais como compensação por trabalho suplementar, prémios e outros benefícios, geralmente de carácter discricionário), 79,1 %.» (Dados do Relatório sobre o Progresso da Igualdade entre Mulheres e Homens no Trabalho, no Emprego e na Formação Profissional – 2012 da Comissão para a Igualdade no Trabalho e no Emprego).

Fora do contexto laboral, a violência contra as mulheres é exercida de formas cada vez mais aviltantes, correspondendo também essas formas ao agudizar da luta de classes.

O tráfico de seres humanos para fins de exploração sexual e laboral tem vindo a crescer, como cresce o conceito que lhe está associado que que tudo é transaccionável, incluindo a vida. No tráfico, tal como na exploração na prostituição, as mulheres (porque é delas que hoje se fala), são desprovidas de qualquer humanidade e utilizadas com o propósito do lucro, do negócio que se faz à custa da venda do seu corpo. E a violência é desmesurada neste caso, porque legal em muitos países e com fervorosos adeptos da sua legalização por cá.

A violência exercida sobre as mulheres com políticas de baixos salários, de aumento do horário de trabalho (impedindo a fundamental articulação do tempo de trabalho com o tempo de não trabalho: família, participação política e social), de precariedade (que torna a própria vida precária), entre tantas outras que são pedra de toque dos governos dos últimos (pelo menos) 30 anos, são causas e consequências de outros tipos de violência mais visível como é a violência doméstica que mata dezenas de mulheres por ano e não encontra no sistema público a resposta nem de prevenção nem sequer de protecção (e como se o apoio jurídico não está garantido e o acesso à justiça e tribunais lhes – nos – é vedado por questões económicas?).

A análise da violência sobre as mulheres não pode estar dissociada da análise do contexto político e social, do sistema vigente, ele próprio gerador das violências mais atrozes contra o ser humano. «Com a concepção materialista da história, Marx não nos forneceu fórmulas acabadas sobre a questão das mulheres, ele deu-nos uma coisa melhor: um método justo, seguro, para estudar e compreender. Só a concepção materialista da história nos permitiu situar, com clareza, a luta das mulheres no fluxo de desenvolvimento histórico geral, de aí ver a justificação e os limites históricos à luz das relações sociais gerais, de reconhecer as forças que a animam e a conduzem, os objectivos que essa luta persegue, as condições nas quais os problemas levantados podem encontrar a sua solução.» (Clara Zetkin, «O que as mulheres devem a Marx», 1903)

«O camarada Lénine falou-me mais de uma vez sobre a questão feminina. É evidente que atribuía um significado muito grande ao movimento feminino, parte integrante do movimento de massas, tão importante que poderia, em certas condições, tornar-se uma parte decisiva. É claro que para ele a igualdade completa da mulher constituía um princípio base, absolutamente incontestável para todo o comunista.» afirmava Clara Zetkin em 1924.

Hoje, como ontem, esta afirmação permanece tão intemporal como é a história da luta das mulheres. A igualdade das mulheres é um pressuposto para nós, comunistas. Mas é também consequência daquilo por que nos batemos.

1 É pelo trabalho que a mulher vem diminuindo a distância que a separava do homem. Somente o trabalho poderá garantir-lhe uma independência concreta.

2 Na altura em que a causa das mulheres é colocada acima da causa proletária, na altura em que as mulheres trabalhadoras se deixem seduzir pelas frases sonantes acerca da comunidade das mulheres, independentemente das divisões de classe, então perdem a ligação viva com a sua própria classe traindo assim os seus interesses.