Aguentar, não comer, a nação, a pátria e a antecipação do natal: uma leiga a falar de economia

Nacional

Há cerca de semana e meia ouvi a ministra das finanças fazer a apologia das exportações em detrimento do mercado interno, dizia ela que a aposta no mercado interno teria sido um modelo errado, já que hoje vivemos num mundo globalizado. Não parecia nada preocupada com a redução do consumo dos portugueses.

Antes disso, e num tempo antes da estranha irrevogabilidade de Paulo Portas, quando este ainda tinha pasta e não era vice, convidou estrangeiros a virem para Portugal viver, fossem quem fossem, desde que fossem milionários, dá-lhes a cidadania e isenção de impostos em troca, unicamente, da compra de casas de luxo no nosso território. É que já são poucos os que nesta terra podem comprar casas, carros, roupa, sapatos, livros, viagens, comida.

O governo tem uma noção de país e de economia sem pessoas. Portugal é, para esta gente, um jogador do monopólio à beira da derrota e que se agarra desesperadamente ao crédito que o jogador vencedor lhe dá. Portugal cai inevitavelmente nas ruas e avenidas de quem lhe emprestou dinheiro (que são quase todas) e tem de lhe pagar as rendas. Acaba por ser obrigado a vender tudo o que tinha e fica sem fonte de rendimento. Não percebe que sem casas nem ruas nunca poderá recuperar nada e que o crédito que lhe deu o vencedor serve apenas para o que o jogo continue, até que este seja o detentor de todo o dinheiro. Neste jogo não há pessoas com fome, não há necessidades de educação e saúde, de habitação, de bem-estar. Portugal é, para esta gente, um conjunto de indicadores, colunas e linhas com números que se movem de um lado para o outro sem que se atenda com seriedade ao que se referem. É uma entidade abstracta.

Aprendi em tempos que a diferença entre nação e pátria era esta: a pátria é como uma casa em que habita gente, a nação resume-se à propriedade. De um modo mais esclarecedor; a pátria é o lar e a nação é a casa. Na língua inglesa talvez faça mais sentido (já que muitos de nós usamos “casa” como “lar”) – home e house. É, numa metáfora possivelmente um pouco forçada, como a velha diferença entre capital e trabalho. O capital é apropriação, é despojado de gente, terá corpos como propriedade que possa gerar mais propriedade, mas não tem vida. O trabalho é a humanidade que gera frutos.

Ulrich, o senhor do BPI, um dos vencedores do monopólio, disse em tempos, tão idos como os anteriores à irrevogabilidade de Portas, que o povo português aguenta. É claro que aguenta. Aguenta como espantosamente tem aguentado a humanidade ao longo da história. Ulrich sabe que o jogador do monopólio faz tudo para se manter no jogo. E sabe também, dentro da sua concepção de país, em tudo semelhante à do governo (não fosse ele um dos que lhe dita as regras) que aguentamos enquanto o coração bate.

Crato, outro ilustre membro do governo, explicou na sua lógica matemática, que a dívida é pagável se todos os portugueses passarem um ano sem comer. Também ele diz a verdade. O que Crato não diz é que sem comer o coração deixa de bater, logo, deixamos de aguentar. Crato confirma assim que a dívida portuguesa é impagável.

Nicolas Maduro, presidente da República Bolivariana da Venezuela, antecipou o natal. Foi motivo de risinhos e chacota em toda a comunicação social portuguesa dita de referência, tratado como se de um lunático fantasioso se tratasse. Mas quando Maduro anunciou o natal na Venezuela já os centros comerciais de norte a sul de Portugal estavam em campanha de natal. As Popotas e as Leopoldinas já cantavam sob o brilho das luzes. O que Maduro está a fazer na Venezuela é incentivar o consumo interno do país, cujos trabalhadores, aqueles que geram frutos, viram o seu poder de compra largamente aumentado nos últimos anos. Ao mesmo tempo Maduro procura suster o aumento da inflação por via do aumento de preços (gerado por essa crescente procura). A comunicação social portuguesa dita de referência, em relação a isto já vai diabolizando a imagem do presidente venezuelano, que, tão mau, interfere nas sagradas leis do mercado.

Em Portugal, o governo joga a todo o tempo como um viciado que mantém a ilusão da viragem do jogo. Na Venezuela o governo antecipa o natal dinamizando assim a economia numa pátria com gente.

Quem são então os lunáticos fantasiosos?