Marx na Baixa

Nacional

Marx marca de forma indelével a narrativa histórica do século XX. A sua filosofia inspira revoluções, redesenha fronteiras e agita, com a promessa de um mundo novo, os corações da humanidade inteira. Mas se 130 anos depois da sua morte o capitalismo triunfante garante tê-lo varrido para debaixo do baú das antiguidades filosóficas, porque será necessário declará-lo morto uma e outra vez? É para responder a esta pergunta que Karl Marx, em licença de uma hora, regressa ao mundo dos vivos. Marx in Soho, foi escrita em 1999 por Howard Zinn (1922-2010), historiador e dramaturgo norte-americano, mais conhecido pela sua autoria da “História dos Povos dos EUA”. A suas obras foram distinguidas com dezenas de prémios, entre os quais o Thomas Merton Award, o Eugene V. Debs Award, o Upton Sinclar Award e o Lannan Literary Award. De estivador a doutor pela Columbia University e professor catedrático, o percurso de vida de Howard Zinn é indissociável do seu compromisso para com a justiça social e a simpatia pela causa dos humilhados.

Dizia Goethe que na impossibilidade de ser imparcial, vale mais a pena ser honesto. Marx in Soho é isso mesmo: tão parcial como sincera, tão política como verdadeira. Traduzida para dezenas de línguas e levada à cena em mais trinta países, Marx in Soho é uma crítica mordaz às hipocrisias e injustiças dos nossos tempos; uma fotografia vívida e apaixonante de Marx como a voz de uma humanidade insubmissa perante a iniquidade. O Marx de Soho não é uma caricatura nem um ídolo de barro. As mãos habilidosas de Howard Zinn historiador e activista modelaram um Karl Marx além da figura histórica, que é também um pai carinhoso, um marido dedicado e um crítico surpreendentemente lúcido do mundo actual. Mas Marx in Soho não nos oferece apenas uma original síntese dramática da filosofia marxista. Sustentado por uma investigação histórica de vários anos, Zinn foi capaz de reimaginar a personalidade, a vida e os dramas de um Karl Marx completamente humano. Este é o Karl Marx que bebe cerveja e sofre de furúnculos; Permanentemente exilado e procurado pela polícia, apaixonado pela sua mulher Jenny, desempregado e sem dinheiro para sustentar os filhos. Este é o Karl Marx verdadeiro, irascível e brilhante, que vê morrer três dos seus cinco filhos em condições miseráveis e que, apesar de tudo, nunca perdeu a esperança num mundo mais justo.

À deriva do seu animado monólogo, Karl Marx partilha com o público detalhes da sua vida íntima, comenta os grandes acontecimentos históricos da sua época, imiscui-se provocadoramente na nossa e apresenta-nos personagens deliciosas como o intempestivo anarquista Bakunin, a precoce revolucionária Eleanor ou o potencial burocrata Peeper. Howard Zinn dizia com propriedade que esta não é uma peça sobre política. É uma peça sobre Marx. É essa subtileza que confere a força e graciosidade necessárias a que, independentemente das opções políticas de cada um, ninguém fique indiferente a um Marx ora embalado pela esperança, ora dilacerado pela culpa, ora consumido pela tristeza, ora incendiado de raiva.

A relevância de uma peça ou a urgência de uma adaptação

Mas, por um erro burocrático das entidades do além, Karl Marx não aterra no Soho, Londres, que originalmente planeava visitar, nem no Soho, New York, onde em 1999 Zinn o colocou, mas em Portugal, no ano de 2014. “Marx na Baixa” não é só a primeira tradução desta peça para língua portuguesa nem tampouco só a primeira vez que subirá aos palcos em Portugal, é a completa adaptação do original aos nossos dias e à realidade política e social que o nosso país atravessa. A transformação do texto original incide em grande medida sobre três vectores: a actualização de comentários e notícias que desde 1999 perderam relevância; a adaptação a Portugal das referências à política e cultura norte-americanas e, por fim, a suavização de alguns matizes políticos a que o curso da História obriga.

Um fantasma assombra os teatros! Podem as classes dominantes tremer ante o seu regresso: Karl Marx visita Portugal em 2014! Marx na Baixa, com encenação de Mafalda Santos e direcção técnica de João Barreiros, a tradução e adaptação (António Santos) do original de Zinn, pisa pela primeira vez os palcos portugueses. Munido de boa cerveja portuguesa e um acervo de jornais do dia, Karl Marx (André Levy) visita Portugal para nos dizer de sua justiça, para nos contar uma história ou duas sobre a sua vida e para discutir as notícias que a espuma dos dia traz a Portugal, mas também para defender a sua honra e nos desafiar a defender a nossa.