Mudam o rei espanhol para que nada mude

Internacional

O ditador Francisco Franco preparou o jovem príncipe Juan Carlos para lhe suceder e garantir a manutenção do poder político e económico às classes dominantes. Quase sempre, as oligarquias sabem o que fazem. Os grandes grupos económicos e financeiros espanhóis foram os principais beneficiários da transição. Essa etapa histórica imposta por Madrid aos demais povos do Estado espanhol é, ainda hoje, elogiada pelos que criticam duramente os excessos da revolução portuguesa. Ali, placidamente, o ditador morreu na cama sem ser julgado e Juan Carlos assumiu as rédeas do Estado para alimentar com muitos cosméticos a nova realidade política. De facto, o poder económico manteve-se praticamente intacto e as instituições permaneceram sob controlo da órbita franquista: polícias, militares, juízes, professores, jornalistas, etc.

A operação cosmética que se anuncia hoje não é mais do que um paliativo para solucionar um problema que não tem solução. Aqui ou em qualquer outro lugar, a monarquia não deve ter lugar senão nos contos infantis. O ridículo de milhares de jornalistas quando aplaudiram Juan Carlos que mandou calar Hugo Chávez está precisamente no facto de que, gostem ou não, o ex-mandatário venezuelano foi dos que mais se submeteu ao sufrágio dos eleitores da pátria de Simón Bolívar. Ao príncipe Filipe cabe-lhe o mesmo papel que coube ao seu pai. Depois da eliminação física do Almirante Carrero Blanco, o regime franquismo entrou em descomposição acelerada. As lutas operárias e populares cresciam e havia que evitar um desenlace semelhante ao português.

Hoje é claro que uma boa parte dos que vivem no Estado espanhol não quer a monarquia. A luta social desenvolve-se a níveis há muito não vistos no coração do regime. Espanha está prestes a desagregar-se pela força de quem luta há décadas para ser independente. A Catalunha e o País Basco aceleram processos soberanistas e a maioria das suas populações vota em partidos independentistas. O fantasma do terrorismo agitado pelos porta-vozes da oligarquia espanhola espalhou-se por todo o Estado. Jornalistas, comentadores e políticos apontam histéricos para todas as manifestações que acabam em distúrbios ou para os partidos que arrancaram milhões de votos ao arco do poder – como por cá gostam de chamar – e denunciam-nos como estando infiltrados por etarras.

O que praticamente só se viu nas ruas do País Basco durante décadas – mobilizações potentes, confrontos com a polícia e detenções às centenas – é a nova realidade do Estado espanhol. Os resultados das eleições parlamentares europeias vieram acelerar o processo cosmético de entronização do príncipe Filipe. A substituição do herdeiro de Franco não muda praticamente nada no regime mas é a prova de que a oligarquia teme o que pode vir a passar nos próximos anos. Independentemente de como se venha a desenrolar o fim da monarquia espanhola – ou a desagregação do Estado – esperemos que tenha o mesmo destino que a monarquia portuguesa. Mas, fundamentalmente, é importante que não se esqueça nenhum dos crimes operados politicamente pelo regime espanhol – em que se incluem assassinatos, torturas, prisões políticas – contra os trabalhadores e os povos.