Cumprem-se os 104 anos do nascimento de Álvaro Cunhal.
Não há homenagens justas que não passem por dar o que temos todos os dias para a construção do socialismo e para a superação revolucionária do capitalismo. Esse compromisso que cada um de nós assume individualmente e cumpre também colectivamente é a forma mais digna de honrar todos quantos deram a sua vida pela luta dos povos, pela emancipação dos trabalhadores e pelo comunismo. Contudo, hoje a minha luta passa por escrever estas palavras que, não sendo de homenagem, são de assinalamento de uma data e de valorização de um contributo teórico e prático que tendo sido determinante em várias fases da vida do Partido Comunista Português e do próprio Povo Português, é hoje ainda muito importante.
É impossível contar a história do século XX português sem falar do PCP e é impossível falar do PCP do século XX sem falar de um conjunto de dirigentes e das suas características pessoais e políticas. Dentre esses militantes, por motivos vários, mas principalmente pela data que assinalo, destaca-se Álvaro Cunhal. O seu compromisso constante com a causa do proletariado português, a sua dedicação ao fortalecimento do movimento comunista internacional e o seu empenho, físico e moral, na concretização do projecto político que é o comunismo elevam Álvaro Cunhal a uma dimensão heroica no sentido mais humano do termo.
A sua participação na reorganização de 40, ainda dirigida por Bento Gonçalves, que sucede a reorganização de 29 e que dá ao PCP a sua verdadeira natureza marxista-leninista, combatendo concepções anarquizantes e aventureiras foi certamente um elemento da sua formação política. Álvaro Cunhal tinha então menos de 30 anos e a reorganização construiu o PCP como o conhecemos durante as fases mais decisivas da sua História enquanto partido e isso sucede na presença de Álvaro Cunhal que tinha então tarefas de direcção do Partido, onde teve a oportunidade de concretizar as novas orientações resultantes da reorganização. A reorganização de 40 não foi apenas uma reconfiguração orgânica do PCP. Foi também uma reconfiguração ideológica e prática, com a adopção de instrumentos de análise mais concretos e com a tomada de medidas objectivas para a defesa do PCP. A adopção do marxismo-leninismo como ideologia do Partido e a integração do centralismo democrático juntamente com as medidas conspirativas foram elementos centrais do partido que nascera em 1921 mas que só muito depois ganha a maturidade de um verdadeiro partido revolucionário.
Antes de 1940-43, o PCP não tinha defesas activas contra os métodos fascistas do Governo. O fascismo, inteiramente assumido com a forma corporativista de Estado em 1933 e com a transposição da Carta del Lavoro para a Constituição Portuguesa, tomava medidas cada vez mais drásticas e violentas para garantir a supressão de movimentos democráticos e, principalmente, para liquidar a organização comunista, incluindo liquidar fisicamente os seus militantes e dirigentes. A reorganização de 40 dá ao PCP mecanismos para se adaptar à repressão e violência fascistas. Mas o que mais transforma o PCP nos anos 40, juntamente com esses dois elementos – o ideológico e organizativo – é a sua postura ante as massas. O PCP, com contributo de Álvaro Cunhal, inicia um novo ciclo político de intervenção, destinado a agitar e a organizar a luta nos locais de trabalho, em torno de objectivos o mais concretos possível. De um partido muito proclamatório, com laivos de aventureirismo e alguns tiques de clube de debate político, passa a um grande partido nacional, ancorado nas necessidades concretas do Povo Português. De um partido que opunha o comunismo ao fascismo principalmente no plano teórico, reservando a actividade revolucionária a uma porção mais consciente da sociedade, o PCP passa a partido intimamente ligado às massas e ao proletariado. O proletariado português começa finalmente a ser o reservatório de quadros do PCP e ao mesmo tempo o seu objecto de luta. As grandes greves de 43 e 44 mostram os primeiros frutos de um Partido que mudou a sua consigna para “paz, pão, liberdade” introduzindo na luta pelo socialismo e o comunismo os elementos concretos das preocupações e anseios dos trabalhadores.
A partir desse momento, o fascismo começou a deparar-se com um partido indestrutível. Porque se era possível um destruir um grupo de quadros revolucionários, estudiosos e voluntariosos, mas isolados, deixa de ser possível destruir uma organização revolucionária que emana das aspirações do próprio povo. A partir desse momento, só esmagando todos os trabalhadores portugueses se esmagaria o PCP.
A sua prisão em 1949 não priva o partido da sua actividade nem do seu estudo e contributo teórico e uma boa parte da sua obra artística e política é construída no período entre 1949 e 1960. A sua fuga em 3 de Janeiro de 1960 representa um momento importante na vida do Partido. Se o V Congresso do PCP, realizado durante a prisão de Álvaro Cunhal, em 57, consolidou o desvio de direita que vinha afectando a actividade do PCP, a fuga da prisão de Álvaro Cunhal representou um decisivo momento na sua identificação e correcção.
É verdade que entre os grandes contributos de Álvaro Cunhal para o PCP e para o Povo Português se contam inúmeros actos. A participação na reorganização de 40, a intensa produção teórica, a criação de um partido nacional, a ligação do PCP às massas, a construção da orientação do PCP para a revolução democrática e nacional, o Rumo à Vitória, o contributo para o combate e denúncia da extrema-direita e do radicalismo pequeno-burguês de fachada socialista, a natureza colectiva do trabalho de direcção do PCP, entre outros, destaco a correcção do desvio de direita que torna possível a adopção da orientação contida no “rumo à vitória” como orientação para a acção do PCP e faz regressar o PCP ao trabalho revolucionário, assumindo novamente o levantamento nacional, popular e militar, como resposta para o derrubamento do fascismo. Antes da correcção do desvio, o PCP estava enleado em formulações oportunistas e em ilusões políticas que concebiam o trabalho de intervenção do PCP como forma de construir a “solução pacífica para a superação do problema político português”.
A correcção do desvio de direita, com o contributo absolutamente determinante de Álvaro Cunhal, foi um momento central na vida do PCP. Na vida do PCP, para o papel que se lhe exigia na altura e na vida do PCP até aos dias de hoje. Foi feita com a apresentação de um informe* ao Comité Central, aprovado ainda em 1960 e mais tarde ratificado com as novas orientações no VI Congresso, em 1961. O PCP estava num posicionamento que conduziria à sua instrumentalização por uma burguesia que aguardava o melhor momento para proceder às alterações formais de regime, deixando intactas as relações sociais. O PCP estava apostado na aceleração da desagregação natural do fascismo ao invés de preparar o proletariado português para a tomada do Poder e para a alteração material das relações de produção. A forma como desde cedo, Álvaro Cunhal combateu a secundarização do proletariado na luta pela democracia, também se traduz na defesa que fez da participação dos comunistas nos sindicatos fascistas, desde a sua fascização em 1933/34.
O acerto das posições de Álvaro Cunhal, aplicadas ao momento histórico que viveu e em que participou, está comprovado pela História: a revolução sucedeu porque o fascismo se desagregou, verdade, mas não como consequência apenas das suas contradições senão também da acção revolucionária do PCP, que também se manifestava na participação do PCP no movimento antifascista mais alargado. Mas mais do que isso, Abril não foi apenas uma troca de caras porque o proletariado organizado, munido de uma central sindical em que participavam os comunistas, foi capaz de assaltar as ruas portugueses 5 dias depois do 25 de Abril de 1974 e de demonstrar qual era a força hegemónica da revolução.
Abril foi a confirmação das teses e contributos de Álvaro Cunhal, mas principalmente o que lhe sucedeu: as conquistas políticas além das alterações formais de regime, as alterações no modo de produção e a ameaça do capitalismo como modo de produção dominante. Independentemente dos golpes posteriormente desferidos contra essas conquistas, com o ardil e traição do Partido Socialista, as teses confirmaram-se adequadas e correctas. A força do PCP, contudo, não se decreta, constrói-se. E só com essa força se prepara e se faz a revolução. Honrar Cunhal não é fazer a Revolução nos nossos dias, é garantir que enquanto vivemos tudo fizemos para que ela venha a acontecer. Antes que a barbárie que alastra tome por inteiro o mundo.
* Álvaro Cunhal, Obras Escolhias, “Edições Avante!”, Outubro de 2008, tomo II
11 Novembro, 2017 às
queria dizer o vi congresso obviamente.
11 Novembro, 2017 às
Certamente por lapso reporta-se o I Congressso a 1961 quando foi em 1965.