No panorama televisivo há mais ou menos três tipos de séries: de polícias (detectives, com ou sem tecnologia, good cop/bad cop, famílias americanas com descendência irlandesa e por aí),de médicos e enfermeiros (com mais ou menos testosterona e estrogénio) e advogados (protesto! – isto não existe em Portugal, já agora). Os temas fogem pouco desta tríade e têm resultado bem (incluindo aquelas séries que nunca mais acabam muito embora, francamente, não conheço uma única pessoa que as veja).
True detective é do primeiro tipo. Tem tudo para ser mais uma: cenário seco, deserto, no meio da pobreza sulista da América. Dois parceiros, sexo, bebidas, traições matrimoniais e “esposas” em fúria. Gente morta com galhos (de repente a associação animal/cadáver passou a ser um must – Hannibal, American Horror Story, Mentes Criminosas) e histórias com seitas à mistura. Não há nenhuma dualidade entre o bom e o mau polícia, mas antes entre dois tipos que se antagonizam na forma de estar e de ser.
Mas de repente… os diálogos. O que aqui ressalta nada tem a ver com o argumento, a fotografia (que é, aliás, espantosa), a banda sonora (talvez a melhor de todos os tempos) ou a construção das personagens na sua globalidade. Interessam particularmente as duas: Woody Harrelson e Mathew McConaughey. Marty e Rust. Particularmente Rust. Rust Cohle (uma das muitas teorias afirma que o nome deriva de Rust – ferrugem e Cohle – coal, carvão – o mineral que provoca silicose), um rapaz que não dorme, vive num apartamento sem mobília, não tem família, acredita que o melhor para a humanidade seria votar-se à extinção voluntária (através do fim da reprodução) e que o mundo é “all one ghetto, man – a giant gutter in outer space” – uma espécie de grande esgoto do universo. A falta de crença na humanidade, o cinismo, a constante deriva nihilista e iconoclasta nas conversas que sendo sobre os casos que investigam, são sobre o mundo.
Totalmente vazio de qualquer esperança num futuro (seja ele qual for), Cohle alimenta a ideia de círculo e da passagem reiterada pelas mesmas situações, pelas mesmas pessoas, sem que nada mude a não ser o tempo, num olhar desligado da matéria e profundamente atento ao ser humano (por mais contraditório que possa parecer). Um olhar negro que não acolhe qualquer transvaloração moral, antes dirige a sua força vital para a sua destruição: a destruição da moral. Para além dela, só a morte e o eterno retorno.
Não é comum vermos coisas assim. Densas. Com personagens a roçar o anarquismo (o dos livros de Berkman). Com diálogos dolorosos e intensos. Com títulos de episódios que dão títulos de ensaios. E com interpretações que – e isto posso dizer com muita certeza – jamais se viram em séries televisivas.
Interessa-me pouco saber quem é o assassino de Dora Lang ou o Yellow King. Mas anseio os diálogos entre os dois (ou entre cada um e os detectives que os entrevistam) bem mais do que o desvendar do caso dos chifres do animal. Não menosprezando. E pode mesmo ser que estejamos a ver a melhor série de todos os tempos. Amen, Nic Pizzolatto. Darkness becomes you.