Cuidados e Direitos na morte. Eutanásia?

Nacional

Os nazis usavam a expressão Eutanásia para definir o assassinato dos mentalmente incapacitados e embora não tenham partido da eutanásia voluntária ou activa para chegarem aos pontos aonde chegaram: a História também ensina coisas.

Na Holanda, são eutanasiadas pessoas que já não podem decidir por si, com indicação médica, como os doentes Alzheimer e com isto não me refiro à concepção de testamento vital em que se pode decidir, em juízo e teoricamente, sobre os cuidados paliativos que queremos ter perante a possibilidade da doença incapacitante ou da morte iminente, previsível ou inevitável. Na Bélgica houve uma “discussão” que resultou, neste momento, na legalização da Eutanásia para crianças.

Caminhamos para uma sociedade esquizofrénica onde uma criança de doze anos é, por enquanto, jurídica e socialmente protegida se atentar contra a vida de outra pessoa (e bem) por ser considerada incapaz mas, é considerada capaz de decidir acerca da sua morte e, isto quando o Estado tudo deveria fazer para a proteger, nos limites do conhecimento humano.

O meu ponto de partida para uma forte reserva à despenalização/legalização do suicídio assistido e da eutanásia activa, que inclui a participação de outro, não se baseia numa, pelos menos consciente, concepção idealista ou religiosa de que o que deus constrói nós não destruímos. A minha consideração parte de um ponto de vista da dúvida concreta, da experiência da morte enquanto cuidadora, e da profunda necessidade de discussão e reflexão sobre que “direito” será esse. Não está circunscrita à definição de direitos da criança, não tem paralelo com o direito à habitação, ao salário, à educação, trata-se de morrer e morrer não deverá ser exactamente o mesmo de nunca termos nascido.

A continuada legitimação revestida de um sentimento de piedade, com parcialidade, da Eutanásia pelos meios de comunicação dominantes não me deixa nada descansada, “cheira” a negócio a milhas e, tendo em conta a perversão do sistema económico capitalista quem está em condições de garantir de que não serão os mais desprotegidos economicamente os mais susceptíveis? A questão é demasiado complexa para se resumir a “liberdade individual” ou direito ao não-sofrimento embora, sensível que sou ao sofrimento humano e ao que cada ser humano diz ser capaz de decidir sobre a sua própria morte, também não deixo de pensar nisso.

Porque razão num estudo amplamente divulgado, há uns anos em Portugal, se concluía que metade dos idosos institucionalizados concordava com a Eutanásia? Isto não me sai da cabeça.

A cada um de acordo com a sua necessidade de cuidados na morte?  Sim, sem dúvida mas, o intento inicial de limitação da Eutanásia a último recurso está agora perigosamente transformado em “direito” para crianças, pessoas com doenças não terminais e depressões. Que “safeguards”, que leis escritas, tornarão este sistema imune à eutanásia de pessoas social e economicamente desprotegidas, ou aos políticamente “doentes” ou aos geneticamente perigosos?

Antes desta discussão acontecer, ou antes que oportunistas se lembrem de a referendar, por força das ondas de choque vindas da Bélgica e França, precisamos reafirmarm e lutar pela saúde enquanto direito constitucional e humano. Defender o SNS, com acesso verdadeiramente universal, uma  rede universal de
cuidados continuados e de cuidados paliativos não subsidiária dos
interesses nebulosos da “iniciativa empresarial social” e para a
dignidade em fim de vida, onde é possível usar de todos os recursos
humanos e materiais, tecnologias, investigação e formação disponíveis
aos cuidados na e para a morte.

* Autor Convidado
Liliana Sousa