Quando no ano de 1999 as forças norte-americanas agiram, sob a capa da NATO, nos Balcãs e em particular na República Jugoslava – ou no que dela restava – fechava-se um ciclo de desmembramento do chamado “bloco de Leste” iniciado em meados dos anos 80 e irreversivelmente consumado a partir de 1989 com a chamada “reunificação alemã”, a dissolução da União Soviética e a integração, progressiva, de países do extinto Tratado de Varsóvia na triunfante “Aliança Atlântica”.
A “guerra humanitária” de Clinton e Blair cumpriu diversos objectivos simultâneos e relacionados, de entre os quais destaco a continuação e consolidação da “balcanização” da ex-Jugoslávia, a criação naquela zona do planeta de territórios neocoloniais (possibilitando a fixação de bases militares, zonas de influência e controlo de rotas fundamentais do comércio de matérias primas e energia), o esvaziamento da influência soviética/russa junto das zonas eslavas do mediterrâneo e, claro está, a institucionalização da NATO já não como suposta “aliança defensiva” de natureza limitada mas antes como super-estrutura de âmbito planetário, com legitimidade de actuação para lá dos mecanismos diplomáticos e de defesa internacionais, incluindo a própria ONU.
O desfecho da guerra de 1999, e não obstante todas as polémicas em torno do reconhecimento da independência do Kosovo, da utilização de armamento com urânio empobrecido ou da manipulação mediática que voltou a centrar toda a culpa do conflito na figura de Slobodan Milosevic (e por seu intermédio dos jugoslavos da Sérvia), foi rapidamente varrido da actualidade por acontecimento por ventura mais dramáticos (de entre os quais se destacam os conexos “11 de Setembro”, a invasão norte-americana do Afeganistão e o reinício do conflito aberto no Iraque). E desde então têm-se somado conflitos e tensões que remetem a questão dos Balcãs para uma segunda divisão do debate em torno das questões verdadeiramente em aberto no panorama internacional.
A recente condenação do General Ratko Mladic por parte do tribunal internacional constituído para julgar crimes cometidos durante a década de 90 na ex-República Socialista da Jugoslávia não aqueceu propriamente a discussão sobre o que verdadeiramente se passou nos vários conflitos que se seguiram às declarações de independência de vários territórios da federação dos eslavos balcânicos. Em todo o caso parece assumir-se como o epílogo de um longo processo cujo desfecho se encontrava desde há muito definido, independentemente das “provas” presentes (ou não) no âmbito dos processos judiciais movidos contra dirigentes políticos e chefias militares das várias nacionalidades em conflito, com destaque – pelo número e natureza das funções desempenhadas – para os réus de nacionalidade ou origem sérvia.
Sobre a figura de Ratko Mladic não creio estar na posse de todos os elementos que me permitam substituir-me ao julgamento que dele fará a história, ou aqueles que nos Balcãs escreverão a história sérvia ou bósnia dos acontecimentos dos anos 90. De resto o desfecho do acidentado e pouco sólido processo que lhe foi movido foi já abordado no Diário de Notícias pelo qualificado jornalista Carlos Santos Pereira, que não apenas conheceu pessoalmente o general Mladic como esteve na povoação de Srebrenica por altura dos acontecimentos que são o fundamental da acusação (e condenação) que recai sobre o militar sérvio.
O que na verdade me parece importante sublinhar é que a guerra de 1999, em todas as suas dimensões e camadas, ainda não se fechou. E que as suas consequências duradouras – com destaque para o desmembramento da federação Jugoslava, o permanente julgamento dos sérvios (colectivamente considerados) a par de uma inacreditável absolvição de bósnios, croatas e albaneses, a constituição de um território independente no Kosovo, o fortalecimento de facções islâmicas sunitas salafistas na Bósnia e no Kosovo e a progressão da NATO pelos Balcãs dentro – são ainda causa de inúmeros problemas e tensões com consequências imediatas ou a colher no futuro.
Dos Balcãs continuaremos a falar e a escrever. E temo que não seja pelas melhores razões.
11 Janeiro, 2018 às
Pobre, José.
Infantil, José.
4 Janeiro, 2018 às
Falar e escrever…para dizer o quê?