O futuro também começa hoje

Internacional

Fez, ontem, 80 anos que o fascismo tomou Madrid. Abria-se aquela estrada para a barbárie que só acabaria sepultada seis anos depois em Berlim. Há uma melodia cuja bateria não deixa de tocar no palco da vida. Para nos lembrar que esta é uma guerra que não acabou. Como as cordas da guitarra de Sigaro que, apesar de já não estar, soam porque nos vibram na memória. Porque a indiferença é o peso morto da história, Sócrates trocou o Corinthians pela Fiorentina para ler Gramsci no idioma original. E os corpos agitam-se, como se estivessem preparados para a batalha. A que se desata entre quem através da lâmina da espada faz política na rua. Quando se produzem revoluções e contra-revoluções, não são os votos que definem os avanços e os recuos do pêndulo nos momentos cruciais da história porque da indiferença ao compromisso há um intervalo de coragem. São as ruas que impõem a viragem que se projecta no futuro. A democracia que se constrói nos subterrâneos.

E vejo milhares de jovens entre o fumo vermelho das tochas. A maioria não sabe mais palavras em italiano do que aquelas que aprendeu com as letras de Banda Bassotti. Entre adidas e dr. martens, há punks com e sem crista, skinheads antifascistas e um gentio que preenche quase todos os espaços deste edifício ocupado pela população nos arredores de Madrid a que deram o nome de Atalaya. Se há meio ano, parou de bater o coração de Sigaro, ninguém quis deixar de estar presente para mostrar que uma voz não se perde quando se teve uma vida dedicada a cantar a revolução. De El Salvador à Nicarágua, de Donbass ao País Basco, a insubmissão exige mais coragem em tempos de cobardia. Ao longo de três décadas, poucos músicos se atreveram a desafiar a metralha fascista em contextos de guerra.

Poucos cantam e escrevem sobre a nossa realidade. Quantos músicos e escritores conhecemos que retratem os tempos que vivemos? A revolução portuguesa pariu inesquecíveis intelectuais cuja obra de um passado que era futuro jaz nos alfarrabistas e em lojas de discos para coleccionadores. Esses cumpriram o seu papel na sua época. Nós estamos órfãos. Poucos cantam as nossas lutas e contam-se pelos dedos os que fazem destes tempos sombrios uma ode à resistência. Mas ali, em Vallecas, bairro operário de Madrid, ao meu lado canta um torneiro mecânico que é delegado sindical e dinamizador de uma claque antifascistas nas horas vagas. Lá atrás, nos bastidores, longe dos holofotes da hegemonia capitalista, a contra-cultura respira-se em todas as partes. Organizam-se e partem para a batalha ideológica. Montam os seus estúdios, discográficas, editoras, livrarias, teatros, jornais, bares, ginásios e ousam fazer frente ao passado que nos querem impor uma vez mais. E não é caso único na Europa.

É certo que a revolução não é algo por que se espere. É algo que se constrói. E nesse processo podemos e devemos alavancar o futuro com espaços e experiências que arrebatem ao capitalismo o poder de contaminar todos os elementos que compõem a nossa existência.

7 Comments

  • Refer&ncia

    13 Abril, 2019 às

    Muito bom! Obrigado por mais este flash de realidade 😉

  • Nunes

    9 Abril, 2019 às

    Este comentário foi removido pelo autor.

  • Jose

    4 Abril, 2019 às

    « revolução portuguesa pariu inesquecíveis intelectuais cuja obra de um passado que era futuro jaz nos alfarrabistas e em lojas de discos para coleccionadores. »

    Tão inesquecíveis que nem me lembro!

    • Nunes

      6 Abril, 2019 às

      Normalmente, meninos nazis, como o José, são bem capazes destes comentários… isto é, quando não andam a fumar charrinhos diante das mães.

    • Jose

      8 Abril, 2019 às

      Mas sei que não és tu, Nunes.

    • Nunes

      9 Abril, 2019 às

      Jose, tão cheio de piada e de diarreia (ao mesmo tempo).

    • Jose

      23 Abril, 2019 às

      Já cá esteve…

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