O Governo-Zombie

Nacional

Foi hoje conhecido o tal “governo sólido” que Passos Coelho prometeu para os próximos quatro anos. E há, de resto, uma mão cheia de novidades. Não nas vontades, nem nas políticas, evidentemente, mas sim na simbologia que carrega quer a continuidade de uns, quer a entrada de outros. De “boas” referências do passado, a novas e redobradas garantias a mortos-vivos do governo anterior, esta “lista vip” de ministros e ministérios é bem ilustrativa da “ameaça” que seria ter esta direita durante mais quatro anos no poder. Após toda uma legislatura de uma política de monstruosidades, eis-nos agora perante um governo-zombie, que tem essa mais-valia anunciada de se esvair em cinzas já no próximo nascer do sol.

No espaço de poucos dias, para não dizer meia dúzia de horas, Fernando Negrão passou de “pessoa mais indicada para presidente da Assembleia da República” a “pessoa mais indicada para Ministro da Justiça”.

Comecemos pela continuidade do vice-primeiro-ministro. Se dúvidas houvesse de que Paulo Portas continua a ter o PSD preso por uma trela, sequestrado aos seus próprios caprichos, tácticas e aspirações, e de que a velha chantagem da demissão irrevogável continua a ser o pesadelo maior de Pedro Passos Coelho, elas ficam desfeitas ao vermos que o “motorista” de um “táxi” continua a conduzir o camião TIR. Ao manter-se como “vice”, Portas não substituiu, como seria expectável, o mais “substituível” de todos os ministros, Rui Machete, mesmo depois das trapalhadas gigantes e da forma vergonhosa como Machete “geriu” o Ministério dos Negócios Estrangeiros.

E que dizer de Mota Soares, que chegou aparatosamente de Vespa mas que ao fim de poucos dias se rendera à “simplicidade” de um Audi topo de gama? É fácil de perceber. É que o tempo passa a voar. E muito provavelmente, apesar dos valentes esforços de última hora, ainda não houve tempo para distribuir todos os tachos que trará em carteira.

No que concerne à pasta da Justiça, temos como ministro alguém que, para o PSD e para Pedro Passos Coelho, parece pura e simplesmente estar acima dos comuns mortais. No espaço de poucos dias, para não dizer meia dúzia de horas, Fernando Negrão passou de “pessoa mais indicada para presidente da Assembleia da República” a “pessoa mais indicada para Ministro da Justiça”. O que aliás reflecte, diga-se, a forma muito “sólida”, “atempada” e muito “bem pensada” como Passos Coelho terá por certo formado este governo.

O novo Ministro da Administração Interna, como é apanágio da verborreia direitista, chega pejado de “belíssimas referências”. Eu próprio destaco uma delas: João Calvão da Silva foi um dos três juristas que atestaram a idoneidade do banqueiro Ricardo Espírito Santo Salgado. Cito: «Calvão da Silva considerou a “liberalidade” (14 milhões de euros) recebida pelo banqueiro do construtor José Guilherme se enquadrava no “bom princípio geral de uma sociedade que quer ser uma comunidade – comum unidade –, com espírito de entreajuda e solidariedade.» Que melhor figura para este governo que não alguém que já chega com “bons serviços prestados” no que concerne à bajulação de banqueiros?

Novidade ainda é a “recuperação” do Ministério da Cultura, resgatado de uma secretaria de Estado que, nesse âmbito, não fez rigorosamente nada de útil nestes últimos quatro anos, antes pelo contrário. De repente, a direita que elogiava o fim de um ministério que na sua bitola só servia como “sorvedouro” de dinheiros públicos – a cultura, de resto, sempre lhes causou “urticária” -, já é coisa digna de pasta própria, de ministro próprio e, em teoria, de política própria. O pior é que, para acompanhar o triste ramalhete, é nomeada para ministra a ex-secretária de estado Teresa Morais, jurista de formação, uma nulidade total e absoluta em matéria cultural, que nos últimos anos não fez mais que acompanhar ministros enquanto abanava solenemente a cabeça à medida que “encaixava” e “escrevinhava” as valentes sacudidelas da oposição.

Para terminar em beleza, nada como uma boa escolha para um dos ministérios mais delicados de toda uma governação. Para a Saúde, Passos Coelho promove a Ministro o «tal» secretário de estado que viu no caos das urgências e entre macas amontoadas nos corredores de centros hospitalares sem capacidade de resposta, nada mais que um conjunto de «pessoas muito bem instaladas e bem deitadas».

Mas estas e outras “tragédias” têm uma atenuante, algo que nos faz respirar fundo e pensar que nem tudo é sombras, nem tudo é mau. A mais-valia deste executivo-zombie é a sua durabilidade. É que este podia, de facto, ser um governo para quatro anos. Felizmente, é só uma fantasia de Halloween.